Batismo do Senhor: renascimento da humanidade

Neste Domingo, fechando o ciclo das festividades natalinas, a liturgia nos convida a celebrarmos a Festa do Batismo do Senhor. Antes, a hodierna festividade se nos apresenta como um convite à renovação; à mudança de vida e sincera conversão. É uma abertura do homem a Cristo; e mais que isso: é uma incessante busca por algo que só Ele pode oferecer. Por isso, o Batismo não somente é uma imersão em água, mas é também uma imersão no próprio Cristo, e ao sair desta água não mais sai um ser humano manchado pelos pecados, mas purificado e limpo de toda a culpa que antes lhe atormentara.

Santo Agostinho escreve em suas Confissões sobre a transformação que o Batismo casou-lhe em vida: “Fomos batizados, e desapareceu qualquer preocupação quanto à vida passada” (IX Livro, 6). Ora, considerava-se ele em estado de pecado devido a todas as transgressões cometidas, mas, por meio do Batismo, todas as suas faltas foram perdoadas. Esta verdade é atualizada pelo II Concílio do Vaticano ao afirmar:

O único Mediador e o caminho da salvação é Cristo, que se nos torna presente no Seu corpo, que é a Igreja. Ele, porém, inculcando com palavras expressas a necessidade da fé e do batismo (cf. Mc 16,16; Jo 3,5), ao mesmo tempo confirmou a necessidade da Igreja, na qual os homens entram pelo batismo como por uma porta. Por isso não podem salvar-se aqueles que, sabendo que a Igreja Católica foi fundada por Deus através de Jesus Cristo como instituição necessária, apesar disto não quiseram nela entrar ou nela perseverar.” (Lumem gentium, 14).

Aqui suprime-se a ideia de que todas as religiões são boas ou iguais. A única religião fundada por Cristo, por meio da qual somos chamados a tornarmo-nos membros pelo Batismo, foi aquela a que Nosso Senhor confiou às primícias da fé, e à qual confiou a chefia a Pedro. Esta verdade não contrapõe o desígnio salvífico do Senhor de que todos os homens se salvem; pelo contrário, em conformidade com as Escrituras, “é necessário, pois, manter unidas estas duas verdades, ou seja, a possibilidade real da salvação em Cristo para todos os homens e a necessidade da Igreja em ordem a esta mesma salvação” (Redemptoris missio, 9).

O Santo Padre Bento XVI recentemente recordou: “Só a Verdade salva!” (Discurso à Cúria Romana, 2010). Esta verdade encontra-se em Cristo, Cabeça da Igreja, como bem recordou São João: “Se alguém chega até vós trazendo outra doutrina que não esta, não o recebais em casa, nem o cumprimenteis. Pois quem o cumprimenta participa de suas más obras” (2Jo 10). Certamente as outras religiões oferecem colaborações importantes como ações do Espírito entre os homens, mas a estes não se pode atribuir origem divina e a graça da invencibilidade.

Retornando, porém, ao tema do Batismo detenhamo-nos no quadro bíblico a nós proposto.

A primeira leitura do livro do profeta Isaías traz em si uma rica passagem sobre a ação messiânica de Jesus, e sobre sua missão neste mundo: “Eis o meu servo, dou-lhe o meu apoio. É o meu escolhido, alegria do meu coração. Pus nele o meu espírito, ele vai levar o direito às nações. Não grita, não levanta a voz, lá fora ninguém escuta o que ele fala”(42, 1-2).

Ora, estamos diante de uma figura comumente usada nas Escrituras sagradas: o servo. Jesus faz-se servo para todos. Tanto no seu nascimento, como em sua vida, e também na sua morte e ressurreição ele está a serviço. Ele não vem como rei poderoso e soberano, mas vem na fragilidade de uma criança e aceita ser batizado por João.

Ele é O escolhido, e isto caracteriza a sua missão. Sua escolha não é um ocaso do destino ou uma ideologia criada por galileus e sustentada por fanáticos seguidores, mas vem do Pai. Ele, consubstancial ao Pai, faz-se um de nós, e entre nós instala a tenda da salvação, onde todos são chamados a abrigar-se. Nele está o Espírito Santo, e isto o faz sempre mais fiel à sua missão. O Espírito que foi a Ele confiado também é-nos confiado hoje, e confiado à Igreja.

Mas nosso Deus não é um Deus que grita, que é irado, que gosta de exercer seu poder de justiça sobre os homens. Muitas vezes assim no-lo vimos, mas a sua essência é amor e misericórdia, e esta é possível notá-la, sobretudo, pelo batismo. A justiça de Deus – como recordamos noutras vezes – não parte de uma decisão última d’Ele, mas nossa. Somos nós que poderemos nos dirigir para o céu ou para o inferno.

“Eu te formei e te encarreguei de seres a aliança do meu povo e a luz das nações, para abrires os olhos aos cegos, tirares do cárcere os prisioneiros, da masmorra os que estão na prisão escura” (Is 42, 6-7). Estas palavras ecoam perpassados esses pouco mais de dois mil e onze anos. Jesus, na última ceia, anuncia a Nova e Eterna Aliança, que é dada a todos os homens, e esta foi firmada com Seu sangue derramado na cruz.

Também hoje pedimos ao Senhor que venha realizar plenamente a sua promessa messiânica. Pedimos que venha trazer a visão a todos quantos estão cegos pelos prazeres do mundo. Pedimos que venha libertar do cárcere da arrogância e da ganância aqueles que buscam uma falsa felicidade fora de Cristo. Pedimos que retire da masmorra os que estão presos pelo mundanismo e obcecados pelos prazeres temporais.

Esta unção do Espírito proclamada por Isaías é colocada de forma clara no Evangelho e, de certa forma, é um mistério a ser desvendado. “Depois de ser batizado, Jesus saiu da água, e o céu se abriu. E ele viu o Espírito de Deus descer, como uma pomba, e vir sobre ele. E do céu veio uma voz que dizia: ‘Este é o meu Filho amado; nele está o meu agrado’” (Mt 3, 16-17).

Sim, Jesus é o predileto do Pai, e Deus o envia para que todos reconheçam n’Ele a graça da salvação. Ainda assim nem todos o escutaram [escutam]. Muitos rejeitaram suas palavras e ainda as rejeitam. O Espírito vem sobre Jesus: esta é a prova concreta de que Ele estava ratificado por Deus para o cumprimento de sua missão. Também sobre os que recebem o sacramento do batismo o Espírito desce e unge com seu poder, para que sejam destemidos e não se ocultem no anúncio da verdade.

“Mas o que há propriamente novo não é isto, que Jesus venha de uma outra região geográfica [da Galiléia], por assim dizer, de longe. O que é verdadeiramente novo é que Jesus queira ser batizado, que entre na multidão triste dos pecadores, que aguardam nas margens do rio Jordão” (Papa Bento XVI, Jesus de Nazaré, pag. 32).

O batismo implicava precisamente a conversão. Era uma entrada em nova vida; um despojamento de uma vida antiga marcada pelo pecado. Poderia Jesus fazê-lo se Ele não tinha pecados?

Quando Jesus ia batizar-se João trava um diálogo com Ele: “’Eu é que devo ir a Ti, e Tu vens a mim?’ Ao que Jesus lhe diz: ‘Deixe agora como está, pois convém que se cumpra toda a justiça’” (Mt 3, 14-15). Que justiça seria esta que nos fala o Cristo?

Ele mesmo é a Justiça de Deus. E em seu nome está resumida toda a justiça que realizar-se-á com os homens. Para realizar plenamente o sentido salvífico de sua missão, Jesus se insere no lugar dos pecadores. Aqui vemos a antecipação da cruz. Com seu batismo Jesus toma os nossos pecados e os mergulha consigo no Jordão. Aqui acontece, por assim dizer, um “renascimento” da humanidade, pois o Senhor da História, assumindo condição humana, revitaliza tudo o que antes era perdido pelo pecado.

Ora, se nos fixarmos em contemplar a sua morte veremos que esta descida de Jesus, sua imersão na água, faz-nos recordar de sua descida aos infernos, onde lá sepulta o peso de nossos pecados. A voz celeste que se dirige a Ele também prefigura a sua gloriosa ressurreição. Não permanecendo na sombra da morte, mas restaurando todas as coisas em Si, por meio de Seu sacrifício, Jesus cumpre a profecia que estava oculta na voz. E assim encontramos a centralidade deste mistério envolto no cenário do batismo.

Que possamos ser fiéis à nossa missão de discípulos de Cristo. Pois ninguém é obrigado a ser cristão, mas todo cristão tem o dever de ser missionário, assumindo seu batismo.

Que a Virgem Santíssima nos abençoe e nos guie nesta missão!

Irradiar o amor como imagens de Deus (Meditações das Cartas Paulinas 1Tes 4,9-12)

Continuando nossas meditações sobre as cartas paulinas, detenhamo-nos hoje entre os versículos 9 –12, do 4º capítulo da carta de São Paulo aos Tessalonicenses.

No versículo 9 o apóstolo exorta para a vivência do amor fraternoA humanidade sente falta deste amor. Falar do amor no mundo de hoje nunca é demais. Falar de amor nos faz olhar a essência de Jesus Cristo e nos faz olhar para aquilo que também deve ser a essência do ser humano. O mundo sente falta de amor! O mundo está sedento de Jesus Cristo! E eis que muitos se põem a perguntar e a clamar: Senhor! Onde estais? Mostra o teu rosto misericordioso!

No entanto, Deus não está longe. Ele se aproxima de nós. Ele faz-se um de nós, para que assim os homens possam adentrar os seus mistérios e mergulhar em suas graças. E tudo isto nos é concedido por meio do amor. O amor que Ele mesmo assume em sua essência e irradia em todos os homens. Se todos os homens são imagem e semelhança de Deus, logo, também eles devem irradiar o amor, e mais que isto: devem se tornar o amor em uma sociedade desesperançada e frívola.

Amar ao próximo é uma das características evangélicas fundamentais de todo cristão. Nosso Senhor jamais ab-rogou da nossa vida o amor ao próximo. E São João explicará a necessidade deste amor ao afirmar: “Aquele que diz estar na luz, mas odeia seu irmão, ainda está nas trevas” (1Jo 2,9). O amor é a característica principal na vida do cristão, e por meio dele todas as outras graças e todos os outros dons nos são concedidos. Para se estar na luz é preciso amar. Por isso, mais adiante, o apóstolo reafirmará: “Nisto se revela quem é filho de Deus e quem é filho do diabo; todo aquele que não pratica a justiça não é de Deus, como também não é de Deus quem não ama seu irmão” (3, 10).

Amar o irmão é, portanto, estar em conformidade com o Evangelho; e não apenas isso: é levar a esperança de Cristo aos sofredores. Toda a vida de Jesus foi um ato sacrifical, e a isto não no-lo moveria se não fosse pelo Amor. Amor este que quebrou as barreiras de espaço e tempo e transgrediu todos os pensamentos ideológicos de que Deus, estando nos céus, descesse como homem para transmitir a salvação à humanidade.

Mas, logo em seguida, São Paulo faz um relacionamento estreito entre trabalho e amor. Isto dá-se, talvez, para sublinhar que o amor autêntico não é aquele que cruza os braços, ou aquele que espera a vinda do Senhor sem nada fazer, mas é aquele que põe-se a caminho para dar, e este dar não deve ser interesseiro. dar do cristão não deve esperar nada em troca; não deve firmar-se em uma perspectiva de bem estar econômico, senão que tenha como único interesse Jesus Cristo: é pura gratuidade!

Também é possível que Paulo esteja pensando naquela injusta organização do mundo laborial greco-romano, onde o trabalho manual era coisa de escravo. O trabalho, quando digno e feito com amor, dignifica o cristão. E todos eles devem ser exercidos em favor do Reino de Deus. É preciso que saibamos que a nossa cidadania final é a celeste. Não busquemos fazer riquezas neste mundo se a verdadeira riqueza é Jesus Cristo, e a contemplação incessante de sua face.

O Senhor dos senhores manifesta-se

Celebramos hoje a Solenidade da Epifania do Senhor. Esta Solenidade originariamente celebra-se a 6 de janeiro, mas a Igreja no Brasil, com autorização da Santa Sé, pôde transferi-la para o Domingo mais próximo, já que permite maior participação dos fiéis. No Oriente celebra-se no dia da epifania o Natal do Senhor, por isso desejo saudar aos nossos irmãos de outros continentes do mundo oriental. Que o Menino Deus possa nascer em vossos corações!

[In the East is celebrated on the day of epiphany Christmas, so I want to welcome our brothers from other continents of the Eastern world. May the Christ Child be born in your hearts.]

A Epifania assume um importante significado na vida cristã. O termo grego Ἐπιφάνεια significa aparição/manifestação; um fenômeno miraculoso. Verdadeiramente esta festa é a manifestação do Filho de Deus. Pela visita dos Magos Jesus é apresentado ao mundo. No dia de Natal a mensagem litúrgica é uma novidade que faz-se ressoar por todo o mundo: “Hodie descendit lux magna super terram – Hoje uma grande luz desce sobre a terra” (Missal Romano). Agora esta mesma luz que desceu faz-se manifestar a todos os homens por meio da estrela de Belém. Jesus é luz! N’Ele impera o brilho resplandecente da vitória sobre o pecado. Mesmo na fragilidade daquele menino de Belém, Deus faz imperar glorioso o Seu poder, e manifesta Jesus Cristo ao mundo. A luz de Cristo primeiro atinge a Virgem Maria e São José, que contemplaram e adoraram o mistério ali escondido. Depois atingiu também aos pastores que vão às pressas a Belém para ali encontrar o sinal prenunciado do menino envolto em panos e repousando numa manjedoura. Estes constituem os pequenos, o “resto” de Nazaré aos quais Deus se manifestou primeiramente. Por fim envolve também os Magos do Oriente, que representam todos os povos pagãos, aqueles que ainda não conheciam Cristo, apenas ouviam as profecias, são maravilhados por adorarem o Senhor vivo em nosso meio. Permanecem na penumbra, porém, o Palácio de Jerusalém, onde a notícia de que teria nascido o Messias é levada pelos Magos a Herodes, que, só depois, avisados pelo anjo, souberam do seu plano de matar o Menino, e por isso voltaram por outro caminho. Tal notícia não é portadora de alegria para o rei, mas traz um temor e uma reação adversa.

Para Herodes, Jesus viria tomar seu trono. O Salvador, o Rei que tudo governa, iria lhe destituir do seu poder. Muitos acham que esta seria a libertação que o Messias traria: uma libertação social, onde já não mais haveria injustiças; uma libertação onde a salvação seria promovida atravéz dos pobres. Não é de se surpreender que este seja também um dos pensamentos de Judas Iscariotes, como ele deixou claro várias vezes nas Escrituras. Porém deve-se admitir que ainda hoje dentro da Igreja tal pensamento tenha se infiltrado e dado outro sentido à verdadeira libertação. Sim! Cristo é um libertador! Mas não é um “libertador social”, como nós concebemos, que veio para aquebrantar o poder de opressão dos romanos ou dos reis. Não é um libertador que veio exterminar a pobreza. Mas a sua libertação está acima de tudo isso. Sua libertação consisti na doação de Seu sangue na cruz e na vitória sobre o pecado.

Por isso, Ele traz em Si a luz. Ele é a luz! Uma luz que não se deixa ofuscar pelas trevas, mas devasta, por assim dizer, com a força da sua claridade toda a escuridão do mundo.

Na primeira leitura o profeta Isaias já prenunciava esta manifestação da luz. “De pé! Deixa-te iluminar! Chegou a tua luz! A glória do Senhor te ilumina. Sim, a escuridão cobre a terra, as trevas cobrem os povos mas sobre ti brilha o Senhor, sobre ti aparece a sua glória” (60, 1-2).

Estar de pé é uma posição daqueles que estão prontos, preparados para caminharem, para irem em direção de algo, ou mesmo para receber alguém. Ora, eis que nos chega a Luz! Eis que Ele vem em direção a nós, e nós devemos ir ao seu encontro! A glória de Deus é manifestada em Seu Filho. Quando toda a terra era coberta pela escuridão e os homens já não mais se preocupavam com o futuro de suas vidas e com o futuro de Deus, cumpre-se a promessa do Salmo: “Do céu o Senhor se inclina sobre os homens” (Sl 14, 2). E não apenas se inclina como também vem até nós. Vindo a luz os homens preferem as trevas. São João revelará isto muito bem ao afirmar: “Veio para os seus, mas os seus não o acolheram” (Jo 1,11).

Todos são chamados à salvação pela unidade em Cristo Jesus. São Paulo expressa isso de maneira significativa na segunda leitura. Certamente poderemos fazer uma alusão aos Magos do Oriente que, mesmo sendo de uma cultura diferente, encontram o único e verdadeiro Deus em uma pobre gruta, fria e cercada pelo silêncio das altas horas da noite.

Mas, quem eram os Magos? Eram uma tribo sacerdotal da Pérsia que se dedicava a astrologia. No entanto, naquela noite uma estrela assumiu diferente brilho. Eles percebem que tal resplandecer não era comparado a nenhum outro astro. Aquela estrela não era apenas mais um astro a brilhar, mas era o próprio Deus, e eles sabiam que seguindo-a encontrariam o verdadeiro Astro, o Senhor do Cosmos. Mas, certamente, não ser-lhes-ia suficiente a estrela se eles não se abrissem à verdade.

A melhor descrição dos magos foi feita por São Beda, o Venerável (673-735), que no seu tratado “Excerpta et Colletanea” assim relata: “Melquior era velho de setenta anos, de cabelos e barbas brancas, tendo partido de Ur, terra dos Caldeus. Gaspar era moço, de vinte anos, robusto e partira de uma distante região montanhosa, perto do Mar Cáspio. E Baltasar era mouro, de barba cerrada e com quarenta anos, partira do Golfo Pérsico, na Arábia Feliz”.

Quanto aos seus nomes, Gaspar significa “Aquele que vai inspecionar”, Melquior quer dizer: “Meu Rei é Luz”, e Baltasar se traduz por “Deus manifesta o Rei”.

Obviamente que os nomes podem ter sido dados durante a escrita do Evangelho pelo autor. Mas o que aqui sobressai é que cada um em seu nome carrega a sua missão. Todos eles tinham uma missão: ir ao encontro do Salvador. E todos nós temos uma missão: fazer com que a nossa humanidade tomada pelo peso dos pecados vá ao encontro daquele que poderá aliviá-la.

Se não caminhamos com Jesus Cristo permaneceremos na escuridão. Somente estando com aquele que é luz veremos o despontar de um novo dia. Um dia onde já não mais imperarão as trevas, senão reinará a única estrela que deve brilhar no céu dos nossos lares.

Vimos a sua estrela no Oriente e viemos adorá-lo” (Mt 2,2). Estas palavras nos chamam a atenção ao sabermos que os Magos prostaram-se em adoração diante de um frágil bebê, nos braços de sua mãe (cf. Mt 2,11). O rei Herodes estava centrado nas suas riquezas e poderes; já eles quando encontraram o Menino comportaram-se como os pastores. Sabiam que aquele que ali estava era mais que um bebê, era um Deus encarnado.

Como aqueles três homens em busca da Verdade encarnada, vamos também nós ao encontro d’Aquele que é a única verdade, e d’Aquele que pode nos dar a salvação eterna. Caminhemos para o presépio. Lá adoremos ao mistério encarnado e nos coloquemos na atitude dos pastores. E do nosso coração brote um incessante clamor: Senhor! Que os homens conheçam tua verdade. Que os homens Te conheçam, pois só em Ti há Verdade. Que sejamos homens e mulheres sedentos da tua Palavra e praticantes da Tua vontade. Que todos Te conheçam! Que todos Te adorem! E que na Tua fragilidade seja reconhecido o poder que quebra todo o pecado e transforma os corações dos homens. Maria, olha por nós! Acalente-nos em nossas provações, e ame-nos com Teu amor materno e misericordioso.

A Santíssima Virgem Maria: “Θεοτόκος ~ Theotókos” (Mãe de Deus)

Neste início de um novo ano que se inicia desejo formular a todos vós as minhas cordiais saudações e votos de paz neste novo período de vossas vidas. Celebramos hoje o dia mundial da paz e a Solenidade da Virgem Maria Santíssima, Mãe de Deus, em ambas festividades celebramos Jesus Cristo, Filho de Maria, que redime o mundo

Todos almejamos a paz, e todos desejamos viver em paz. Mas a paz verdadeira, pela qual todos buscam ardentemente, não deve ser vista simplesmente como acordo politico ou fruto de uma conquista do homem. Esta é, antes de tudo, dom divino e ao mesmo tempo compromisso o qual deve-se levar em frente, sobretudo observando as Escrituras. Mas esta paz também tem um nome e uma forma humana: Jesus Cristo, Verbo eterno de Deus que faz-se um de nós, entra no mundo e transforma a nossa realidade. A sua paz não é falsa; o seu poderio não é passageiro.

Veio, pois, esta paz ao mundo e os homens a rejeitaram, e o mataram. E ainda hoje tentam suprimir a verdadeira paz para impor no lugar um conceito de paz falso, que não trará pela felicidade a nenhum dos seres viventes. Só Jesus Cristo é a verdadeira Paz! N’Ele os homens poderão encontrar pleno repouso, e Ele aniquilará toda a marca de guerra e violência provocada por Satanás e por aqueles que querem sobrepor-se ao Evangelho e põe-se no centro de tudo, onde já não mais Deus lhes importa.

No livro dos Números, cuja primeira leitura nos é proclamada hoje, encontramos uma benção que é dada pelo próprio Deus, e a Igreja conserva-a ainda hoje em seu formulário de bençãos. Em um dos versículos se diz: “O Senhor volte para ti o seu rosto e te dê a paz” (Nm 6,26). Na noite de Natal os anjos cantaram: “Glória a Deus nas alturas e paz na terra aos homens por Ele amados” (Lc 2,14). Sim! Que o Senhor volte Seu rosto também para os nossos dias, marcados pela violência e desvalorização do ser humano; pela ganância do coração humano e pelas pesquisas ousadas com a vida humana, como se esta fosse para experiências científicas. Que o Senhor volte seu rosto para aqueles que são perseguidos por causa do Seu Evangelho. Enfim, que volte-se para a humanidade envonta nas sombra das trevas. Sim Senhor! Que esta paz reine no mundo! Que possais, Vós, reinar no mundo! Que a vossa destra sobreponha-se gloriosamente reinante sobre todas as formas de violência. Porque só se estiver iluminada pelo “rosto” de Deus e submeter-se ao seu “nome” a humanidade poderá encontrar um verdadeiro caminho para a paz.

Para os israelitas, no Antigo Testamento, o Senhor concedeu a paz, anunciada por meio de Moisés. Para o povo do Novo Testamento, firmado na Nova Aliança do Sague de Cristo, Ele já não mais concede a paz invisível, como um desejo; mas concede o Seu Filho, Jesus Cristo, que assume a forma humana. Ele é a nova Paz, que firma-se com Sua Encarnação e com o Sangue derramado na cruz. Ora, se Jesus é o Deus da Paz, Filho de Maria, logo Maria é a mãe da Paz. Sim! Maria é a mulher e mãe da Paz! Ela em sua vida sempre desejou fazer a vontade do Senhor, e nô-lo fez. Mesmo aos pés da cruz ela se encontra em permanente atitude de oração, e não deixa de olhar para a humanidade maculada pelo pecado e ferida por tantas devastações.

Na segunda leitura leitura, de forma muito resumida, São Paulo faze-nos contemplar todo o mistério da Encarnação do Verbo. “Quando se completou o tempo previsto, Deus enviou seu Filho, nascido de uma mulher, nascido sujeito à Lei, para resgatar os que eram sujeitos à Lei, e todos recebemos a dignidade de filhos” (Gl 4, 4). Toda vida de Jesus foi dedicada a nos unir a Deus, e precisamente para isto Ele veio: para fazer-nos recobrar a atitude de que somente em Deus nos é concedida verdadeira liberdade; para nos resgatar do peso da Lei, que tornava-se vazio, pois apenas anunciava-se, mas não se vivia. E Jesus vem ser este sinal de liberdade verdadeira. Não de libertinagem, e muito menos de uma falsa liberdade; mas de uma verdadeira e santa Liberdade, que não sujeita-se ao pecado, mas vê a graça da vida futura, ao lado de Deus. E por isso o Filho de Deus encarna-se em Maria. E eis aqui o grande privilégio dela: Ser mãe do Filho de Deus, e assim sendo, é também Mãe de Deus. E justamente não há data melhor para celebrarmos tal Solenidade senão neste oitavo dia após o Natal, quando estes dois mistério se relacionam íntrinsecamente.

Assim como os Doutores da Lei e Fariseus anunciavam as leis, mas não a viviam, também nós devemos tomar cuidado, não obstante ser a verdadeira Igreja fundada por Cristo há dois mil anos, mas as leis da Igreja, fundamentadas em seu fundador, não podem tornar-se vazias de seu significado; caso contrário cairá num invólucro vazio e em um desencorajamento da vivência da nossa fé, tão bem transmitida a nós. Que as leis, onde se deve subsistir a verdade, sejam acompanhadas da caridade, mas que não sejam sacrificadas pela caridade.

Juntamente com a invocação de Virgem Santíssima, a invocação Mãe de Deus é uma das mais antigas na devoção a Maria, e também uma das de maiores devoção, ao qual, de geração em geração, todos invocam a proteção materna daquela que é também nossa mãe. Todavia, se somos filhos não por merecimento mas por pura misericórdia de Deus, Maria também é nossa mãe, não por merecimento nosso, mas por misericórdia. E assim, filhos da mesma Mãe, e filhos do mesmo Pai, poderemos ser inserir-nos, também nós, no mistério da salvação, e tornarmo-nos partícipes da gloriosa vinda do Senhor.

Escreve Santo Agostinho: “De valor algum teria sido para ela a própria maternidade divina, se ela não tivesse levado Cristo no coração, com um destino mais afortunado de quando o concebeu na carne(De sancta Virginitate, 3, 3). Não bastou para Maria conceber Jesus, Ela o levou em si mesma; carregou-O antes em seu coração. Para nós é válida esta mensagem sempre presenta na História: Tenhamos Jesus em nosso coração, para que possamos nos configurar a Ele; e, assim, possamos levá-Lo a outros que ainda não o conhecem.

Parece-nos difícil acreditar que uma mulher pode tornar-se Mãe de Deus. Como, se Deus é eterno? Como se Ele é Criador de tudo e de todos? Ora, sendo Deus eterno, e podendo fazer o quer, pôde também deixar que fosse concebido de uma mulher. Ele assim o quis para que melhor fosse completada sua salvífica obra.

No Evangelho São Lucas, como diversas vezes narra, nos diz que “Maria, porém, guardava todas essas coisas, meditando-as em seu coração” (Lc 2,19). O que se passava pela cabeça de Maria? O que Ela meditava? Certamente deveria se questionar sobre o por quê ela foi escolhida. No entanto, nesta passagem fui tocado por duas palavras que devem fazer-se presente cotidianamente na vida do cristão: meditação e oração. Não seriam a mesma coisa? Não! Apesar de se completarem não possuem mesmo significado. Pode-se meditar sem se práticar a oração. Medita-se quando se pensa em algo. Porém, uma oração não existe sem meditação, apesar de ser possivel existir meditação sem oração. Mas convenhamos que, se não se medita em uma oração ela tornar-se-á apenas palavras, mas o verdadeiro significado, que parte do coração perde seu sentido.

Meditemos e oremos! Oremos e meditemos! Como Maria saibamos enxergar e interpretar os sinais de Deus em nossa vida. Ele não é o Deus do passado, não está distante! Ele é um Deus presente, que vem nascer todos os dias e bate à nossa porta, à porta do nosso coração. Conservemos em nosso coração todas as coisas que Deus nos oferece. Tenhamos a certeza de que na fragilidade da criança, em seu olhar, em sua pequenez, esconde-se a Onipotência e o Amor de um Deus que em sua glória inclina-se e olha a cada um de igual forma.

Maria Santíssima, Mãe de Deus, nos dê forças para não cedermos à tentação do desencorajamento e que possamos perverar sempre nos ensinamentos divinos, sobretudo neste novo ano que se inicia. Que o frágil Menino torne-nos artífices e promotores da paz.