No Evangelho deste domingo vemos tecida uma bela advertência do evangelista contra o perigo do ativismo e do esvaziamento de Deus da vida do homem. As figuras de Marta e Maria nos mostram a contraposição entre as duas realidades pelas quais o ser humano é chamado a reavaliar sua caminhada de vida e a caracterizar o motivo imprescindível da sua fé: a escuta atenta da Palavra.
Com a vicissitude dos séculos, o mundo foi ganhando mecanismos que contribuíram progressivamente para uma destruição do silêncio e para a balburdia externa, lançando-se às pressões midiáticas que fazem com que o homem sinta-se cada vez mais intimidado pelas demasiadas vozes e intimide-se a lançar-se novamente na graça do silêncio. Por isso, para fazer com que ele tivesse ojeriza a estar só consigo e confrontar o seu eu – etapa imprescindível para a maturação de si e para a sadia convivência com os demais – a hodierna sociedade pôs-se a apresentar o silêncio como algo rejeitável e deplorável, pelo qual só se obtém solidão e tristeza, esquecendo-se – ou ainda mais: fazendo uso de uma má-fé – de que a voz de Deus não se encontra em seu falatório, em suas ideologias, em seu clamor destrutivo, mas só pode ouvi-Lo no silêncio, no coração que retira-se da exterioridade e coloca-se na interioridade; no homem que repousa o seu coração no Coração de Deus.
O Santo Padre Bento XVI, ainda quando Pontífice titular da Santa Igreja, advertiu-nos por diversas vezes contra a prática dos feitos sem Deus. Numa delas, o Papa nos alerta:
Não devemos nos perder no ativismo puro, mas sempre deixarmo-nos penetrar na nossa atividade à luz da Palavra de Deus e assim aprender a verdadeira caridade, o verdadeiro serviço pelo outro, que não tem necessidade de tantas coisas – tem necessidade certamente das coisas necessárias – mas tem necessidade sobretudo do afeto do nosso coração, da luz de Deus.
De fato, todos aqueles que perdem-se nos diversos afazeres mas não se detém na Palavra de Deus, não sentam aos pés do Mestre para escutá-Lo, são como a figura de Marta, que deixa-se levar pelo ativismo dos afazeres caseiros. As duas acolhem Jesus, no entanto cada uma com uma atitude diferente, sendo que a de Maria era a atitude primeira do discipulado: escutar, para partindo daí chegar-se à atitude de Marta: servir. A escuta atenta, portanto, precede o serviço, que torna-se vazio e supérfluo se não for acompanhado daquela disposição de guardar o silêncio para mais atentamente ouvir a voz do Senhor que fala.
A ênfase dada pelo evangelista à atitude de Maria não diminui o gesto de disponibilidade de Marta, sempre atenta às necessidades do Senhor. A palavra de Cristo é clarividente: Nem desprezo pela vida de atividades, de serviço, nem tampouco um desprezo à hospitalidade tão calorosa; mas a advertência é para que nada se sobreponha a Palavra de Deus. Tudo se esvai, tudo se consome, finda a própria vida do homem; seus bens serão corroídos pela traça, sua carne nada mais ficará senão pó, mas o Evangelho permanece vivo em seu coração, em sua alma e no coração da humanidade.
O ativismo nos confronta ainda com uma realidade crucial na vida do cristão: Estar com Deus e o estar em Deus. Não é tão somente uma questão pragmática o que aqui tratamos, mas sobretudo uma metanóia da interioridade. Há uma diferença entre aquele que está com e o que está em, isto porque quem está com pode estar tão somente acompanhado ou acompanhando, está ao lado, mas se vem a adversidade e a tribulação pode opor-se, oferecer resistência, duvidar, divergir, desacreditar… Quem está em torna-se apenas um, daí que Paulo não viva “com”, mas “em Cristo” (cf. Gl 2,20). Quem vive em não foge, não teme, não desacredita, não resiste, não diverge, não destrói-se, mas está refugiado sob Aquele que o protege, orienta e oferece todas as condições necessárias para um encontro consigo no gesto sempre atento da escuta.
Somos, pois, chamados a não nos persuadimos por vozes que bradam coniventes com o erro, a miséria e a desmoralização do ser humano, oferecendo-lhe um viés de degradação, enveredando-se pelos caminhos perdidos da aridez espiritual. Sejamos autênticos cristãos, que firmam-se na convicção da fé, na certeza da eternidade, na esperança do encontro com Cristo. Vençamos as vozes que tentam fazer sucumbir o clamor incessante que brada a dois mil anos: “Uma só coisa é necessária” (Lc 10,42). Não nos ab-roguemos da prática incessante do bem, mas para que essa prática seja leal ao projeto salvífico do Redentor, saibamos primeiramente escutá-Lo como fizera Maria.
“Tendo nossos lombos cingidos, portanto, com a fé e a realização de boas obras (Ef 6,14), vamos andar em Seus caminhos, a orientação do Evangelho, para que possamos merecer ver aquele que nos chamou para o seu reino (1 Ts. 2,12)”. (Regra do Nosso Pai São Bento, 21).
TAIS comentários deveriam vir antes do domingo. Por que não? Assim iríamos para a missa sabendo, conhecendo já o tema do Evangelho.