As leituras do dia de finados devem ser ouvidas atentamente por cada um de nós. Mais do que ler, elas devem ser meditadas interiormente.
Na primeira leitura, o Profeta Isaias (25, 6a.7-9) sublinha a necessidade de esperar e confiar em Deus. Na sociedade hodierna, em que se fomenta o apego às coisas materiais e o desprezo da fé em Deus – como recorda o Papa Bento XVI na Encíclica Spe Salvi: “Hoje, muitas pessoas rejeitam a fé, talvez simplesmente porque a vida eterna não lhes parece uma coisa desejável” (nº 10) – somos convidados a retornarmos às primícias da fé cristã e a denegar as verdades do mundo, dando nosso “sim” autêntico e comprometido ao projeto salvífico de Deus. A morte já não vencerá. E como poderíamos traduzir a “morte”, que fala o profeta, para os dias de hoje, sem que perca o seu verdadeiro sentido? Assim poderíamos dizê-lo: “A morte por causa da justiça, em defesa do marginalizado, em defesa do Evangelho. Morrer pelo próximo”. Toda a morte ocorrida pelo bem será recompensada. Toda a morte que não é pelo bem será vencida. A morte que o homem cria, apóia ou colabora.
Deve-se quebrar a idéia rudimentar de que a morte é algo ruim, ou que não deveria existir. Todos morreremos para o convívio íntimo com Deus, e assim foi destinado. “Viver sempre, sem termo, acabaria por ser fastidioso e, em ultima análise, insuportável” (Papa Bento XVI, Car. Enc. Spe Salvi, 10). O nosso pecado causa a morte, ela existi porque o homem permitiu que ela entrasse no mundo por meio da desobediência: “O salário do pecado é a morte” (Rm 6,23). Para aqueles que crêem em Deus, e que nEle põe sua esperança “a vida não é tirada, mas transformada. E, desfeito o nosso corpo mortal, nos é dado, nos céus, um corpo imperecível” (Prefácio dos Fiéis Defuntos I).
O Padre da Igreja Ambrósio na sua elegia pelo irmão defunto Sátiro, escreve:
“Sem dúvida, a morte não fazia parte da natureza,
mas tornou-se natural; porque Deus não institui
a morte ao princípio, mas deu-a como remédio.
Condenada pelo pecado a um trabalho contínuo
e a lamentações insuportáveis, a vida dos homens
começou a ser miserável.
Deus teve de pôr fim a estes males,
Para que a morte restituísse o que a vida
tinha perdido”
(De excessu fratris sui Satury, II, 47: CSEL 73, 274).
Antes, Ambrósio tinha dito: “Não devemos chorar a morte, que é a causa de salvação universal” (Ib., II, 46: CSEL 23, 273).
Todos esperamos pelo anúncio do profeta: “O Senhor iluminará para sempre a morte e enxugará as lágrimas de todas as faces e acabará com a desonra do seu povo em toda a terra; o Senhor o disse” (Is 25,8). Este dia é esperado por todos nós, na certeza de que a verdadeira felicidade será nosso encontro com Deus. Livre do pecado e da obscuridade poderemos louvar o Senhor rejubilando de alegria e dizendo: “Este é o Senhor nosso Deus, esperamos nele, até que nos salvou; este é o Senhor, nele temos confiado: vamos alegrar e exultar por nos ter salvo” (VV.9).
Na segunda leitura São Paulo recorda-nos que só se deixarmo-nos conduzir pelo Espírito de Deus, somos filhos dEle. Faz uma analogia com o mundo de hoje, que considero proveitosa: “Com efeito, sabemos que toda a criação, até ao tempo presente, está gemendo como que em dores de parto” (Rm 8,22).
Este “gemer” a que São Paulo refere-se é o grito de “socorro” que branda aos Céus, e que parte do mundo, pela falta de amor, a exclusão de Deus do âmbito social, o desrespeito a sexualidade, a falta de justiça, o desrespeito a Igreja e diversos outros fatores que coagem entre si.
Como já escrevi muitas vezes neste blog o apego aos bens materiais levam o ser humano a esquecer-se de que é pó: “Tu és pó e ao pó tornarás” (Gn 3,19). E volto a insistir: não adianta tanto apego aos bens materiais. Tudo é supérfluo, é efêmero. Vamos nos apegar a nossa fé, a nossa esperança. Só por isso veremos a Deus. Não será o dinheiro que nos fará ver Deus, mas nossa fé. Recordando mais uma vez a Spe Salvi, onde o Papa fala daqueles que não querem a vida eterna, diz: “Não querem de modo algum a vida eterna, mas a presente; antes, a fé na vida eterna parece, para tal fim, um obstáculo. Continuar a viver eternamente – sem fim – parece mais uma condenação do que um dom” (nº 10).
Neste dia de finados é importante refletir sobre esta questão.
Voltando ao tema. No Evangelho Jesus faz um alerta para o dia do julgamento. Quem herdará o Reino dos Céus? A esta nossa incessante pergunta escatológica Jesus fala daqueles que serão divididos: uns para o lado esquerdo (cabritos), outros para o lado direito (ovelhas). E eis que os que herdarão o preeminente Reino do Céu são os que nesta vida agiram corretamente e segundo os preceitos de Deus: “Vinde, benditos de meu Pai! Recebei em herança o Reino que meu Pai vos preparou desde a criação do mundo! Pois eu estava com fome, e me destes de comer; estava com sede, e me destes de beber; eu era forasteiro, e me recebestes em casa; estava nu e me vestistes; doente, e cuidastes de mim; na prisão, e fostes visitar-me” (Mt 25,34-36).
Estes são os bem-aventurados, e nós somos chamados a unirmo-nos neste coro, como reza-se no prefácio: Unindo nossa voz, a voz dos anjos e dos Santos todos”. Esta deve ser a aspiração do nosso âmago.
Do contrário, se não fazemos a vontade de Deus, e não buscamos o seu desejo, a estes o Rei dirá: “Afastai-vos de mim, malditos! Ide para o fogo eterno preparado para o diabo e para os seus anjos. Pois eu estava com fome, e não me destes de comer; com sede, e não me destes de beber; eu era forasteiro, e não me recebestes em casa; nu, e não fostes visitar-me” (Mt 25, 41-13).
Neste dia, confiemos as almas do purgatório à Providência Divina para que o Senhor tenha misericórdia delas, e como São Paulo, unindo nossa voz, queremos dizer: “Onde está, ó morte, a tua vitória?” (1Cor 15,55).
“Enfim, também rezamos pelos santos padres e bispos e defuntos e por todos em geral que entre nós viveram; crendo que este será o maior auxílio para aquelas almas, por quem se reza, enquanto jaz diante de nós a santa e tremenda vítima” (Catequeses Mistagógicas 5, 9,10, Ed. Vozes, 1977, pg. 38).
Dário Meira, 1º de novembro de 2009, Solenidade de Todos os Santos
Ian Farias