3ª Sinfonia de Beethoven: Na dor e na alegria o homem compõe sua vida

Depois de um demasiado período de distanciamento entre a última sinfonia a ser meditada, chegamos a 3ª de Beethoven Em Mi Bemol Maior, também conhecida como Eroica. Parece-nos que aqui encontra-se um marco do fim da Era Clássica e do início da Era Romântica. É, como sempre em Beethoven, uma harmoniosa e expressiva manifestação da capacidade compositiva do mesmo.

Encontramos na sinfonia a presença de 2 flautas, 2 oboés, 2 clarinetes em si bemol, 2 fagotes, 3 trompas em mi bemol, fá e dó, 2 trompetes em mi bemol e dó, tímpano e cordas.

A ideia inicial seria dedicar a sinfonia a Napoleão Bonaparte justamente porque via-se como admirador dos ideais da Revolução Francesa, entretanto tal ideal fora mais tarde frustrado quando Napoleão se auto intitulou imperador da França em maio de 1804, ao que Beethoven teria se revoltado ardentemente a ponto de riscar da página-título o nome de Bonaparte com uma faca de forma a fazer um buraco no papel. O compositor teria então mudado o nome da sinfonia para: Sinfonia eroica, composta per festeggiare il sovvenire d’un grand’uomo (“sinfonia heróica, composta para celebrar a memória de um grande homem”).

Segundo o seu assistente Ferdinand Ries:

“Ao escrever esta sinfonia Beethoven tinha pensado em Buonaparte, mas Buonaparte como Primeiro Cônsul. Naquela época, Beethoven tinha a maior estima por ele e o comparou aos máximos cônsules da antiga Roma. Não só eu, mas muitos dos amigos mais próximos de Beethoven, viu esta sinfonia em sua mesa, lindamente copiados à mão, com a palavra ‘Buonaparte’ inscrito no topo da página-título e ‘Ludwig van Beethoven’ na parte inferior. …Eu fui o primeiro a dizer a notícia de que Bonaparte havia se auto-declarado imperador, quando de repente teve um acesso de fúria e exclamou, ‘Então ele não é mais do que um mortal comum! Agora, também, ele vai pisar no pé de todos os direitos do homem, saciando somente a sua vontade; agora ele vai pensar que é superior a todos os homens, se tornando um tirano!’ Beethoven foi até a mesa, pegou a página-título, rasgou ao meio e jogou-o no chão. A página tinha de voltar a ser copiado e foi só agora que a sinfonia recebeu o título de ‘Sinfonia Eroica’” (Wikipedia apud A Era Napoleônica).

A execução da sinfonia deu-se pela primeira vez de forma privada para o seu grande amigo Joseph Franz Maximilian Lobkowitz em 1804, e a execução publica deu-se no seguinte ano.

Segundo conta-se, a recepção não foi assim tão caloroso, ao contrário, causou confusão e divisão nos ouvintes. A obra, duas vezes mais extensa que a de Haydn ou Mozart (já no primeiro movimento mais extensa que várias sinfonias), dividiu os ouvintes levando-os a afirmarem ser esta a obra-prima de Beethoven, entretanto outros diziam que seria uma busca de originalidade que acabou por se não ter.

Passemos agora a compreensão das divisões da sinfonia. O Primeiro Andamento é o Allegro com brio, que se inicia com alguns acordes que serão mais enfatizados na quinta sinfonia.

O Segundo Andamento (Marcia funebre: Adagio assai em dó menor) como o nome indica é uma marcha fúnebre. Trata-se de uma composição que é das mais pungentes de toda a história da música. Alterna entre a mais profunda expressão da dor com momentos de luz e esperança. E, de fato, é tão comovente e avassaladora, tão sentimental, que nos faz volvermos nossos olhos para uma cena de profunda dor; contudo, no decorrer da sinfonia é notório que da dor vai se criando um grito como que de esperança, uma luz daquela que nos diz o salmista: “Lux orta est iusto – Uma luz já se levanta para os justos” (Sl 97,11).

No Terceiro Andamento (Scherzo: Allegro vivace), tal como aliás e sobretudo o quarto, são por vezes considerados menores, ao ponto de um dos maiores críticos ingleses do século XIX ter afirmado uma vez “a interpretação da terceira sinfonia terminou e muito corretamente no fim da marcha fúnebre tendo as restantes partes sido omitidas”. Pessoalmente discordo desses. Só pela beleza e genialidade também presentes no terceiro e quarto seria impossível omiti-los como se não fizessem diferença.

O quarto andamento (Finale: Allegro molto), construído inteiramente a partir de um tema e variações em fuga bastante simples não deixa de ser uma composição extraordinária. Berlioz na sua análise das sinfonias de Beethoven, diz a respeito deste andamento que aqui Beethoven conseguiu construir a diferença de cores que existe entre o azul e o violeta.

E assim, na beleza da música clássica nós podemos contemplar cada sentido transcendental da vida, manifestações de dor ou de alegria, de vida ou de morte, mas que sempre nos levam a pensar, a reavaliarmos o valor da vida e fazermos desta o nosso lugar, o lugar do homem na história.

https://www.youtube.com/watch?v=MtYqcg53jEc

Sinfonia 2ª de Beethoven

“Cantate Domino canticum novum” (Sl 96,1)

Com estas palavras do salmista gostaria de dar continuidade às meditações das sinfonias de Beethoven, iniciadas a uns dias atrás.

A segunda sinfonia em Ré Maior, Op. 36 foi composta entre os anos de 1801 e 1802, em Heiligenstadt, quando Beethoven começava a evidenciar os primeiros sinais de sua surdez, o que levou-o a uma profunda depressão. Ela foi dedicada ao príncipe Kar Lichnowsky. Data-se também desta época, de fim de verão, o “Testamento” beethoviano, que embora fosse repleto de angústia e desespero, não se deixou transparecer na composição desta segunda sinfonia.

É evidente na segunda sinfonia o espírito de alegria que ela traz consigo. As palavras de São Paulo certamente circundaram a vida do grande compositor, para que não se abatesse e não perdesse a sua esperança. A certeza do auxilio do Senhor era-lhe certa. Ele não se desespera: Alegrai-vos sempre no Senhor (Fl 4,4), nos diz Paulo.

Sim, o homem temente a Deus carrega consigo a certeza da Sua alegria e do Seu apoio. Nele não está tudo acabado, entre à sorte daquele que é perverso e mal em sua natureza, mas é garantia de que as dores nos aproximam de Deus, que, embora soframos, o amor de Deus não diminui.

A sinfonia foi originalmente orquestrada para 2 flautas, 2 oboés, 2  clarinetes em lá, 2 fagotes, 2  trompas em ré e mi, 2 trompetes em ré, tímpanos e cordas.

No terceiro movimento é perceptível a substituição do tradicional Menuetto pelo Scherzo. Muitos foram os críticos que ficaram perplexos com tais mudanças. A sinfonia estreou no dia 5 de abril de 1803

Os movimentos dividem-se da seguinte forma:

  1. Adagio molto – Allegro com brio
  2. Larghetto
  3. Sherzo: alegro
  4. Allegro molto

O primeiro movimento desenrola-se na forma de uma sonata e assemelha-se à primeira sinfonia. Podemos encontrar também traços característicos da música folclórica, muito presente na Sinfonia Pastoral do músico. O terceiro é um quarteto Sherzo (que substitui o Menuetto). E o ultimo movimento é marcado pela rapidez e vivacidade que findam, assim, a composição.

Não temos nenhuma referência do manuscrito desta sinfonia, como também não o temos da primeira; o que nos restam apenas são esboços.

Pensemos que cada sinfonia de Beethoven é um aprofundamento, uma renovação, um acréscimo, uma melhora. E o faz o compositor com total cuidado e delicadeza que não venha a perder a estrutura essencial de sua música.

Nesta sinfonia é relevante a introdução mais longa que a primeira, mas com menos duração que as vindouras, visto que o aprimoramento deu-se a cada sinfonia, e por isso podemos também observar um dos aspectos que caracterizam sua sinfonia. E o segundo movimento desta sinfonia caracteriza-se por ser o mais longo andamento lento das sinfonias beethovianas.

O terceiro movimento é inusitado em si próprio. Ele rompe com a existência de um menuetto e introduz um Sherzo alegro. Algo que gerara uma certa surpresa por parte dos conhecedores da música.

O quarto andamento conclui com uma vivacidade impressionante, uma energia que contagia mesmo os ouvintes. Na época era algo realmente inusitado, inovador, marcado pela irreverência do grande compositor, talvez um como a história nunca mais verá, que marca a música clássica e os corações dos seus apreciadores.