Pentecostes: Amor e Coragem no discipulado

“Et repleti sunt omnes Spiritu Sancto et coeperunt loqui aliis linguis, prout Spiritus dabat eloqui illis” (At 2,4)¹.

           formacoes66 Fala mal quem deseja falar todas as línguas e em nenhuma se detém, visto que nem tem tempo para aprimorar-se – já que deseja chegar ao conhecimento de todas – e tampouco terá a exatidão da compreensão, que tem os que em alguma detiveram-se. Assim o é conosco, assim o foi outrora com os apóstolos. Para as diversas nações que ali se encontravam, nenhuma era a compreensão pela diversidade de línguas; pardos não compreendiam os elamitas; romanos não compreendiam os mesopotâmicos; frígios não entendiam os capadócios e assim por diante. Parecia-nos esta a Babel, o caos, o desentendimento. Mas, notai! Os construtores de Babel foram confundidos por Deus, e no Cenáculo não foram confundidos, senão que unificados. Lá fizera o Senhor confusão onde havia unidade; cá, o Senhor faz unidade onde há confusão; lá os homens almejavam edificar uma torre que chegasse até o céu – que era a ideia de espaço físico onde Deus se encontrava – para que elevassem seu nome sobre a terra; cá os homens não edificavam torre, senão que estavam temerosos para irem ao encontro de Deus, para o testemunharem, para traçarem uma ponte que pudesse chegar até Ele. Comparai uma e outra e vereis que há uma inversão, por assim dizermos, entre Babel e o Cenáculo. O que naquela se perdera, nesta se restaurara; o que naquela se destruíra, nesta se edificara.

            Diz-nos também o evangelista que o Espírito aparece e todos Dele ficam “repletos”. Pois não ficaram cheios, mas repletos. E por quê? Porque aquilo que está cheio pode não estar repleto, mas tudo o que está repleto, em si, já está cheio – e mais que cheio, está pleno. E aqui, sim, cumpre-se aquilo que houvera predito o Senhor aos seus antes de elevar-Se aos céus: “Recebereis o poder, ao descer sobre vós o Espírito Santo, e sereis minhas testemunhas tanto em Jerusalém como em toda a Judéia e Samaria e até aos confins da terra” (At 1,8).

Agora estão todos preparados e munidos da força interior para serem testemunhas, sem temor, sem tremor, levando somente o que por Si basta: O Espírito Santo. E por que vão eles aos “confins da terra” e não apenas à Palestina ou a Roma? Por que cada um dirige-se a um território diferente? Porque a salvação é para todos, não somente para alguns, isto é representado com maior clarividência na diversidade de povos acima citada. Todos tem a oportunidade de aderirem a salvação, mas não é a ninguém obrigado porque o Espírito, nos diz Paulo, é de liberdade. E porque testemunhar é servir e o amor é serviço, põem-se eles a irem a lugares tão distantes, espalhando o Reino de Deus e o Logos divino que permeia o homem.

Ao Filho de Deus, Segunda Pessoa da Trindade, atribui-se a sabedoria; ao Espírito, Terceira Pessoa, atribui-se o amor. Todo amor é serviço, entretanto, nem todo serviço é feito com amor. Quando se serve sob pretexto de algo, procurando favorecer-se ou sob ameaça de alguém, o amor perde o seu sentido mais belo: a liberdade, liberdade para amar e, por conseguinte, para servir. E os apóstolos são testemunhas autênticas de tal verdade. Ou não poderiam eles negar ao nome de Jesus, retornarem à comodidade de suas vidas e livrarem-se de todos os perigos e ameaças que a tarefa apostólica acarretaria? Pois optam por amarem o Amor, por servi-Lo e por darem as suas próprias vidas, encorajados pelo Espírito da Verdade, da Sabedoria, e do destemor dos homens, mas do Temor a Deus.

Eis, pois, que nenhum cristão sinta-se medroso diante das realidades do mundo! Se somos membros da mesma Igreja, se outrora viera o Espírito aos Apóstolos, agora Ele no-Lo é concedido, vem também a nós e, como fora a dois mil anos, o faz também hoje. Pois que medo há mais do que aquele de omitir-se no projeto salvífico de Cristo? Que vergonha maior há do que não testemunhar o Senhor da Igreja à qual somos membros? Que tristeza há mais do que aquela de estarmos na Igreja mas pensarmos como o mundo?

Hoje é a Festa do Espírito, mas é também a Festa da Igreja. O dia em que, encorajada pelo Espírito, ela abre-se ao mundo, torna-se missionária e testemunha; aliás, contraditório e perigoso é um missionário que não testemunhe. E justamente por ser missionária é também universal, fala várias línguas com apenas um entendimento. Não se entendem diversas coisas daquilo que ela diz nas diversas línguas, mas apenas uma – e necessária – cousa se-nos-é compreensível. A mesma doutrina é transmitida à variedade de línguas, de forma que todos possam saber que apenas um é seu ensinamento transmitido desde os tempos apostólicos. Bem o disse Paulo: “De fato, todos nós, judeus ou gregos, escravos ou livres, fomos batizados num único Espírito, para formarmos um único corpo, e todos nós bebemos de um único Espírito” (1Cor 12,13). Bebemos de um único Espírito porque não há de ter mais de um, mas somente aquele que inspira a Igreja durante seus dois milênios. Se alguém não bebe desta fonte, se alguém bebe de algum outro ensinamento, não bebe do Espírito de Deus mas de fontes desconhecidas e contrárias ao que se tem pregado por séculos.

Pouco é o que aqui tenho dito, muito é o que ainda há de se falar. Peçamos ao Espírito de Deus que nos conceda sabedoria, humildade e coragem para bem exercermos a nossa vivência cristã. Que Ele desça eficazmente sobre cada um de nós. Concede perseverança, Senhor, aos que falam em teu nome, e, como outrora fizestes descer língua de fogo sobre os apóstolos, dê fogo de língua aos nossos pregadores e com toda a Igreja clamemos: Veni, Sancte Spiritus, et emitte caelitus, lucis tuae radium – Vem, Santo Espírito, e mandai dos céus um raio de luz”.

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1.”Todos ficaram repletos do Espírito Santo, e começaram a falar em outras línguas, conforme o Espírito lhes concedia que falassem”.