Fazer a vontade de Deus (Meditações das Cartas Paulinas 1Tes 4,1-8)

Dando continuidade às meditações, detenhamo-nos hoje sobre o quarto capítulo, versículos de 1-8, da Carta de São Paulo à comunidade de Tessalônica, que transparece uma solícita preocupação do apóstolo, sobretudo, com a vinda definitiva do Senhor que terá reflexo nas ações da comunidade.

Tomemos o versículo que dá título ao artigo: “Enfim, irmãos, nós vos pedimos e exortamos, no Senhor Jesus, que progridais sempre mais no modo de proceder para agradar a Deus. A vontade de Deus é que sejais santos e que vos afasteis da imoralidade” (1Tes 4, 1.3). Paulo usa o termo Senhor, isto é Kyrie, não se referindo a Deus Pai, mas a Cristo, Senhor de todas as coisas.

Nunca é demais falar de santidade! Em nossos dias, tanto quanto antes, precisamos de Santos que deem testemunho autêntico do Evangelho, ainda que por vezes este pareça ser radical.

Fazer a vontade de Deus hoje parece impossível e não dá, por assim dizer, prestígio, mas acarreta em um sofrimento, que deve ser vivido com resignação na hodierna sociedade. A forma de viver do mundo contradiz os preceitos do Evangelho, e clama para muitas almas que caminhem para a perdição. Nesta ideologia, neste contexto que se desponta ante nossos olhos, somos chamados, como cristãos, a darmos testemunho de vida e de santidade irrepreensível. Ainda que a fragilidade pareça nos derrubar e nos humilhar em nossa condição, Deus estende sua mão para todos nós, e nos chama a recomeçar de onde paramos. Por isso, a vida do cristão é sempre um recomeço. Já o insensato caminha direto, sem fazer a parada necessária para recarregar suas forças e nutrir-se do próprio Cristo. Este, ao chegar ao final do longo percurso, estará cansado e sobrecarregado e não terá forças para concluir sua jornada.

Por isso, devemos nos perguntar: qual a vontade de Deus para nós? Qual a vontade de Deus em um mundo que deixa-se dominar pela profanação e se esquece do seu Criador? Qual a vontade de Deus em um mundo onde os homens perpetram maldades contra seu próximo?

Não é fácil submeter-se a alguém e sujeitar-se a seus desejos. Mas, em contraposição aos desejos do homem, os desejos de Deus nos dão a garantia eterna da salvação. Só em Deus há salvação, e só n’Ele está a garantia da eterna felicidade do homem. Qualquer um que queira salvar-se fora de Deus nada mais encontrará do que vazio e tormento. Não é necessário que nos aprofundemos em diversos livros para conhecer a vontade de Deus; de diversas formas Ele nos fala. A Sagrada Escritura é um dos meios eficazes para conhecermos aquilo que Deus espera de nós.

Agora nos detenhamos nos versículos 4-8, que soam de forma específica para todos hoje, e mais ainda, é como que duro em suas afirmações.

“Saiba cada um de vós viver seu matrimônio com santidade e com honra, sem se deixar levar pelas paixões, como fazem os pagãos que não conhecem a Deus. Neste assunto, ninguém prejudique ou lese o irmão, pois o Senhor é vingador de todas estas coisas, como já vos dissemos e atestamos. Deus não nos chamou para a impureza, mas para a santidade. Portanto, quem rejeita esta instrução não rejeita a uma pessoa humana, mas ao próprio Deus, que vos dá também o seu Espírito Santo”.

São Paulo dirige-se aos casais para que vivam seu matrimônio com santidade e honra. Não obstante os dois mil anos que nos separam do escrito paulino, suas palavras incidem veementemente nos nossos tempos tomados pela desunião entre os casais, a falta de fidelidade e outros problemas que corroem a vida conjugal.

Quanto ao fato de afirmar que o Senhor é vingador este termo São Paulo não usa para designar um Ser de ira implacável; ele afirma, sim, que Deus faz justiça, e que também em seu nome vem o adjetivo Justo.

E eis que aqui São Paulo responde à pergunta feita anteriormente: Qual a vontade de Deus? A vontade de Deus é que sejamos santos. Não devemos nos entorpecer nos caminhos obscuros da impureza, mas devemos trilhar o caminho da salvação, o qual Cristo aponta a todos os homens, sem distinção: seja para o rico ou para o pobre; para o negro ou para o branco; para o homem ou para a mulher.

E quantos rejeitam este convite de nosso Senhor transmitido pela Igreja?! Mas saibam que não rejeitam senão ao Espírito Santo, que nos foi e é dado por Deus. E sem o Espírito Santo presente em nós, estejamos certos de que todas as nossas ações serão vãs. Se fazemos as coisas, façamo-las bem, e façamos tudo para a maior glória de Deus! Ora, é insensato aquele que busca a Deus somente por interesse. Deus nos reserva algo maior que um bem estar econômico neste mundo. Ele nos reserva o maior bem que poderíamos ter: a contemplação incessante da Sua face.

De nosso coração deixemos que surja uma oração de clamor e de agradecimento: Nós te rendemos graças, Senhor, e te suplicamos que possas excluir da terra toda a ganância que surja no coração do homem, e tudo aquilo que o torna escravo de suas paixões. Te agradecemos pela vida, e pedimos por aqueles que dela são privados. Te agradecemos pelo Teu Espírito Santo, e pedimos que Ele seja derramado novamente em profusão sobre toda a Igreja, para que, ainda mediante as dificuldades, ela seja a primeira a dar testemunho autêntico do Evangelho. Amém!

Deus habita em uma família

Após a Solene Celebração do Natal, e ainda nestas festividades, dado que estamos na Oitava (os oito dias que se seguem após a celebração do Natal, como sendo um único e mesmo dia), a Igreja nos convida a celebrar a Festa da Sagrada Família, protótipo para todas as famílias.

Vivemos em uma sociedade que visa desestruturar a família, “Igreja doméstica” (Papa João Paulo II) e de onde brotam todas as vocações. Neste dia, contemplando a condição humana de Jesus, vemos como Ele também quis estar numa família, dando valor à mesma. A família é o núcleo da sociedade. Não há sociedade sem família! Os diversos programas que vemos hoje, sobretudo na questão da sexualidade, como os métodos que visam impedir o nascimento de novos seres humanos, devem ser repudiados pois se põe contra os preceitos evangélicos. A família é dom de Deus e, como tal, deve ser preservada.

Na primeira leitura medita-se o livro do Eclesiástico onde se ressalta o respeito aos pais, o qual todos os filhos devem manifestar. É necessário que os filhos, para constituir uma damília segundo o Evangelho, saibam respeitar os pais. O próprio Jesus, como nos narra São Lucas, respeitava a sua mãe e ao seu pai, José, mesmo sabendo que não era pai biológico: “Jesus desceu, então, com seus pais para Nazaré e era obediente a eles” (Lc 2,51). Também a obediência aos pais faz parte dos mandamentos. E por que? Será tão importante essa obediência que, por meio dela, poder-se-á gerar cidadãos melhores e cristãos melhores. Também para a glória a honra é uma das vias necessárias. Se não honramos como poderemos chegar a glória? Se não honramos nossos pais poderíamos honrar a Deus?

O livro do Eclesiástico ainda afirma: “Deus honra o Pai nos filhos e confirma, sobre eles, a autoridade da mãe. Quem honra o seu pai, alcança o perdão dos pecados; evita cometê-los e será ouvido na oração cotidiana” (3, 3-4).

A honra dada aos pais confirma-se nos filhos. E que retribuição teremos por esta honra atribuída? O perdão dos pecados, além de não mais cometê-los. E mais ainda: será ouvido na oração cotidiana. Para isto basta que respeitemos, amemos, tenhamos paciência, com nossos pais.

Deus não é mais inacessível, mas faz-se homem na pessoa de Jesus. Por isso poderíamos perguntar: como Deus, criador de tudo, submete-se à tutela de Maria e José? Ora, fazendo-se homem Jesus aceita também ser formado como homem, Ele aceita passar por todos os estágios e todas as condições humanas, exceto o pecado.

O amor que Deus tem por nós manifesta-se também no amor dos pais. Não pertencemos a ninguém! Os filhos não pertecem aos pais, mas são confiados por Deus a eles para que cuidem por um tempo. Abramo-nos ao amor de Deus! Deixemos que seu amor possa transormar-nos e fazer de nós pessoas mais convictas da nossa identidade cristã.

Na segunda leitura São Paulo dirige uma mensagem a família, mas também nos une a família trinitária, que é modelo perfeito e inigualável de família.

“Vós sois amados por Deus, sois os seus santos eleitos. Por isso, revesti-vos de sincera misericórdia, bondade, humildade, mansidão e paciência, suportando-vos uns aos outros e perdoando-vos mutuamente, se um tiver queixa contra o outro. Como o Senhor vos perdoou, assim perdoai vós também” (Cl 3, 12-13).

Este convite de Paulo, não obstante esses dois mil anos, continua a ressoar de forma clara e nos convida a abrirmo-nos ao amor de Deus. Somos chamados à santidade, somos eleitos, mas, para isso, devemos assumir condições que muitas vezes não nos parece fácil. Fomos perdoados pelo Senhor, e em cada confissão que um sacerdote administra é Deus que nos perdoa; é Ele que se volta para nós com olhar de misericórdia e ternura. E assim como por Ele fomos perdoados, perdoemos também nós. Não guardemos mágoas, ressentimentos, mas abramo-nos ao perdão. Se ao menos não amamos o próximo, que o suportemos, como nos recomenda o apóstolo, de certo, há pessoas que são impossíveis de se amar.

Que a palavra de Cristo habite em vós com abundância” (v. 16). Cristo é A Palavra por excelência do Pai. O Verbo, o Logos, faz-se carne para que os homens possam tornar-se divinizados. A condição divina do homem é a contemplação da face de Deus por toda a eternidade. Assim, o homem tornar-se divino não é impossível, mas uma condição escatológica de participação no Reino de Deus. Logo, ao nos convidar a abrimo-nos a palavra de cristo, Paulo nos chama a abrimo-nos a Cristo, Senhor e Juiz da História. As famílias são também convidadas a estarem com Cristo, só assim elas encontrarão força para resistir às tentações e superar as tendências relativistas e pornográficas dos dias de hoje, que tentam infundir novas ideias em seu seio.

Falando às famílias São Paulo diz: “Mulheres, sede submissas a vossos maridos, como convém no Senhor. Maridos, amai vossas esposas e não sejais ásperos com elas. Filhos, obedecei em tudo aos vossos pais, pois isto agrada ao Senhor. Pais, não irriteis vossos filhos, para que eles não desanimem” (v. 18-21).

O respeito e o amor na família fazem falta em muitos lares hoje. São Paulo pede que as mulheres submetam-se aos maridos, como convém, no Senhor. Esta submissão hoje poderíamos afirmar como uma dedicação da esposa para com o esposo. Infelizmente, muitas mulheres hoje já não respeitam seus maridos e não o amam. Aos maridos, que amem suas esposas e não sejam duros com elas. A traição presente entre os casais e que tem se mostrado cada vez mais presente em nossos dias é uma praga que corrói os ambientes familiares e tira o valor e a sacralidade do seio familiar. Assim também é o divórcio, o aborto, etc.

A Santa Mãe Igreja condena todas estas formas de violação da sacralidade familiar, pois ferem o amor de Deus que faz-se presente em cada membro da família. E, como já ficou dito, todos são chamados à santidade.

No Evangelho, vemos a cena da fuga de Jesus, Maria e José para o Egito. Ainda pequeno Jesus já era perseguido por Herodes (que representa o poder do mal). Herodes imaginava que Jesus, Rei dos reis, fosse tomar o seu trono; no entanto, ele não sabia que o Reino de Jesus divergia-se do reino dos homens. Seu reino não é daqui, não é um reino do interesse econômico, mas é o Reino do amor e da paz.

O cerne da narração evangélica é o cumprimento da palavra do profeta: “Do Egito chamei meu filho”. Esta profecia aplicava-se ao povo de Israel, mas encontra pleno cumprimento em Jesus Cristo. Como o povo de Israel atravessou o deserto para que chegassem à Terra prometida, assim também Jesus atravessou o deserto, renovando de forma incomparável o cumprimento da promessa da salvação. Vemos também que assim como o Faraó tratou de matar os meninos hebreus, Herodes mata os filhos de Belém; Aqui nasce a Festa dos Santos Inocentes, que celebraremos no próximo dia 28. Eles doam sua vida pelo Menino-Deus – são os primeiros mártires. Não temem a morte. Jesus, como um novo Moisés, escapa da matança e refaz a peregrinação do povo de Israel para a salvação. Como Moisés foi educado na casa da filha do Faraó, por sua própria Mãe, a Jesus também aprouve ser educado por seus pais.

Que Jesus encontre em nossas famílias uma feliz recepção. E que tenhamos em mente que o Natal sempre se renova, e neste “hoje” do Natal queremos confiar todas as famílias à proteção da Sagrada Família.

Quanto a nós, caminhemos segundo as Escrituras e estejamos seguros nas mãos de Jesus, Maria e José!

Deus não se limitou a inclinar o olhar para baixo

Papa na Santa Missa de Natal de 2010

“Na verdade, as palavras do rito da coroação em Israel não passavam de palavras rituais de esperança, que de longe previam um futuro que haveria de ser dado por Deus. Nenhum dos reis, assim homenageados, correspondia à sublimidade de tais palavras. Neles, todas as expressões sobre a filiação de Deus, sobre a entronização na herança dos povos, sobre o domínio das terras distantes (Sal 2, 8 ) permaneciam apenas presságio de um futuro – como se fossem painéis sinalizadores da esperança, indicações apontando para um futuro que então era ainda inconcebível. Assim o cumprimento da palavra, que tem início na noite de Belém, é ao mesmo tempo imensamente maior e – do ponto de vista do mundo – mais humilde do que a palavra profética deixava intuir. É maior, porque este menino é verdadeiramente Filho de Deus, é verdadeiramente ‘Deus de Deus, Luz da Luz, gerado, não criado, consubstancial ao Pai’. Fica superada a distância infinita entre Deus e o homem. Deus não Se limitou a inclinar o olhar para baixo, como dizem os Salmos; Ele ‘desceu’ verdadeiramente, entrou no mundo, tornou-Se um de nós para nos atrair a todos para Si. Este menino é verdadeiramente o Emanuel, o Deus conosco. O seu reino estende-se verdadeiramente até aos confins da terra. Na imensidão universal da Sagrada Eucaristia, Ele verdadeiramente instituiu ilhas de paz. Em todo o lado onde ela é celebrada, temos uma ilha de paz, daquela paz que é própria de Deus. Este menino acendeu, nos homens, a luz da bondade e deu-lhes a força para resistir à tirania do poder. Em cada geração, Ele constrói o seu reino a partir de dentro, a partir do coração. Mas é verdade também que ‘o bastão do opressor’ não foi quebrado. Também hoje marcha o calçado ruidoso dos soldados e temos ainda incessantemente a ‘veste manchada de sangue’ (Is 9, 3-4). Assim faz parte desta noite o júbilo pela proximidade de Deus. Damos graças porque Deus, como menino, Se confia às nossas mãos, por assim dizer mendiga o nosso amor, infunde a sua paz no nosso coração. Mas este júbilo é também uma prece: Senhor, realizai totalmente a vossa promessa. Quebrai o bastão dos opressores. Queimai o calçado ruidoso. Fazei com que o tempo das vestes manchadas de sangue acabe. Realizai a promessa de ‘uma paz sem fim’ (Is 9, 6). Nós Vos agradecemos pela vossa bondade, mas pedimos-Vos também: mostrai a vossa força. Instituí no mundo o domínio da vossa verdade, do vosso amor – o ‘reino da justiça, do amor e da paz’.”

“‘Maria deu à luz o seu filho primogênito’ (Lc 2, 7). Com esta frase, São Lucas narra, de modo absolutamente sóbrio, o grande acontecimento que as palavras proféticas, na história de Israel, tinham com antecedência vislumbrado. Lucas designa o menino como ‘primogênito’. Na linguagem que se foi formando na Sagrada Escritura da Antiga Aliança, ‘primogênito’ não significa o primeiro de uma série de outros filhos. A palavra ‘primogênito’ é um título de honra, independentemente do fato se depois se seguem outros irmãs e irmãs ou não. Assim, no Livro do Êxodo, Israel é chamado por Deus ‘o meu filho primogênito’ (Ex 4, 22), exprimindo-se deste modo a sua eleição, a sua dignidade única, o particular amor de Deus Pai. A Igreja nascente sabia que esta palavra ganhara uma nova profundidade em Jesus; que n’Ele estão compendiadas as promessas feitas a Israel. Assim a Carta aos Hebreus chama Jesus ‘o primogênito’ simplesmente para O qualificar, depois das preparações no Antigo Testamento, como o Filho que Deus manda ao mundo (cf. Heb 1, 5-7). O primogênito pertence de maneira especial a Deus, e por isso – como sucede em muitas religiões – devia ser entregue de modo particular a Deus e resgatado com um sacrifício de substituição, como São Lucas narra no episódio da apresentação de Jesus no templo. O primogênito pertence a Deus de modo particular, é por assim dizer destinado ao sacrifício. No sacrifício de Jesus na cruz, realiza-se de uma forma única o destino do primogênito. Em Si mesmo, Jesus oferece a humanidade a Deus, unindo o homem e Deus de uma maneira tal que Deus seja tudo em todos. Paulo, nas Cartas aos Colossenses e aos Efésios, ampliou e aprofundou a ideia de Jesus como primogênito: Jesus – dizem-nos as referidas Cartas – é o primogênito da criação, o verdadeiro arquétipo segundo o qual Deus formou a criatura-homem. O homem pode ser imagem de Deus, porque Jesus é Deus e Homem, a verdadeira imagem de Deus e do homem. Ele é o primogênito dos mortos: dizem-nos ainda aquelas Cartas. Na Ressurreição, atravessou o muro da morte por todos nós. Abriu ao homem a dimensão da vida eterna na comunhão com Deus. Por fim, é-nos dito: Ele é o primogênito de muitos irmãos. Sim, agora Ele também é o primeiro de uma série de irmãos, isto é, o primeiro que inaugura para nós a vida em comunhão com Deus. Cria a verdadeira fraternidade: não a fraternidade, deturpada pelo pecado, de Caim e Abel, de Rômulo e Remo, mas a fraternidade nova na qual somos a própria família de Deus. Esta nova família de Deus começa no momento em que Maria envolve o “primogênito” em faixas e O reclina na manjedoura. Supliquemos-Lhe: Senhor Jesus, Vós que quisestes nascer como o primeiro de muitos irmãos, dai-nos a verdadeira fraternidade. Ajudai-nos a tornarmo-nos semelhantes a Vós. Ajudai-nos a reconhecer no outro que tem necessidade de mim, naqueles que sofrem ou estão abandonados, em todos os homens, o vosso rosto, e a viver, juntamente convosco, como irmãos e irmãs para nos tornarmos uma família, a vossa família.”

Bento XVI, Homilia na Santa Missa da Noite de Natal
24 de dezembro de 2010

“Et Verbum caro factum est!”

Celebramos a partir da noite santa de hoje a grande Solenidade do Natal do Senhor, a segunda maior da Igreja. Após a preparação meditativa proposta pelo tempo do Advento, hoje podemos experimentar e reviver a grande graça que vem a nós e rebaixa-se a nossa condição. Jesus faz-se homem! Eis a grande novidade. Como Deus pode humanizar-se? Como Ele pode assumir as nossas fraquezas? Por que Ele fez isso? Porventura somos dignos de tão grande maravilha?

Não somos! Mas Deus, unicamente por amor e misericórdia, volta-se para nossa pobre condição, compadece-se de nós e vem ao nosso encontro para nos redimir, e todo o mistério da Redenção inicia-se precisamente na encarnação. O profeta Isaías já afirmava que “o amor apaixonado do Senhor dos exércitos é que há de fazer tudo isso” (9,6). E este Amor é que torna-se visível. “Por sua vontade, nasceu hoje para nós no tempo, a fim de nos conduzir à eternidade do Pai. Deus se fez homem para que o homem se tornasse Deus. Para que o homem comesse o pão dos anjos, o Senhor dos anjos se fez homem” (Santo Agostinho).

Ele não quis habitar unicamente em luz inacessível, mas veio estar ao nosso lado, consolar-nos e dar-nos a certeza de que confiando n’Ele poderíamos encontrar a salvação. “Tudo o que Nosso Senhor realizou, ele o fez por nenhuma outra razão a não ser para que Deus esteja conosco que nós sejamos um com ele; e por isso Deus se tornou homem” (Sermões do Mestre Eckhart, p. 99).

Mediante uma cultura consumista, que tende a fazer desaparecer os valores religiosos do Natal, a Igreja nos convida a olharmos para a simples gruta de Belém. Ali, e não em palácios, nasceu o Salvador. Seus primeiros visitantes foram simples pastores, e Ele foi aquecido por animais que se encontravam no estábulo. Pobre veio o Senhor; pobres também devemos ser em nosso interior e, na medida das nossas possibilidades, também no exterior. Não queiramos luxo e riqueza; não busquemos prestígio e poder, mas simplicidade e pureza de coração, pois a Onipotência manifesta-se pela humildade. Ademais a verdadeira felicidade não está no supérfluo, mas no eterno. E só o eterno pode nos dar aquilo que ninguém nos pode tomar. Só neste Eterno, que justamente por ser eterno não tem limites, a humanidade pode descansar segura, sem temer os vendavais que, por vezes, abatem-na. Só neste Eterno a “transcendência” tão desejada pelo homem pode ser plenamente cumprida, sabendo que esta não é supérflua, vã e vazia, mas é cheia, cheia do Amor de Deus e do Amor que é Deus.

Em sua homilia para o Natal de 2005, escreveu o Santo Padre Bento XVI, de feliz reinado:

“Logo a seguir, porém, surgem as perguntas: como podemos amar Deus com toda a nossa mente, se nos custa encontrá-lo com a nossa capacidade metal? Como amá-Lo com todo o nosso coração e a nossa alma, se este coração consegue entrevê-Lo só de longe e contempla tantas coisas contraditórias no mundo que velam o seu rosto diante de nós? Neste ponto se encontram os dois modos com os quais Deus «abreviou» a sua Palavra. Ele não está mais longe. Não é mais desconhecido. Não é inalcançável para o nosso coração. Fez-se menino por nós e, com isto, dissolveu toda ambigüidade. Fez-se o nosso próximo, restabelecendo também deste modo a imagem do homem que, com freqüência, se nos revela tão pouco amável. Deus, por nós, fez-se dom. Doou-se a si próprio. Perde tempo conosco. Ele, o Eterno que supera o tempo, assumiu o tempo, atraiu a si próprio para o alto o nosso tempo. O Natal veio a ser a festa dos dons para imitar Deus que por nós doou-se a si próprio. Deixemos que o nosso coração, a nossa alma e a nossa mente fiquem tocados por este fato!”

As leituras nos revelam esta manifestação amor-misericórdia de Deus. Na primeira leitura Isaias escreve: “O povo que andava na escuridão viu uma grande luz, para os que habitavam na sombra da morte uma luz resplandeceu” (9,1).

E em que dia resplandece melhor a luz senão no Natal e na Páscoa? Enquanto uma resplende ainda ofuscada pelas trevas, a outra já não mais poderá ser ofuscada, pois já dissipou as trevas do mundo; e onde habita Jesus as trevas já não mais terão lugar. Onde há luz, não mais imperam as trevas!

O povo andava sobrecarregado pelos pecados e pelo peso da Lei; ainda hoje, o pecado tenta oprimir a sociedade, que muitas vezes deixa-se corromper por ele; Jesus, porém, vem dar novo vigor a humanidade, vem dizer-nos que Ele nunca nos abandona; Ele caminha conosco! E, ao olharmos para o presépio, de onde irradia a luz do mundo, ali devemos ver um caminho verdadeiro e próspero para os homens. Quem se deixa guiar por Cristo jamais poderá perecer pelas forças do mal.

A leitura também é uma exortação para os poderes opressores. Não aqueles que oprimem meramente em sentido econômico, mas sobretudo aqueles que oprimem a fé do povo; aqueles que se põem como Deus e desejam fazer valer todas as suas vontades. Nenhum poder poderá subsistir senão estiver unido a Cristo. Unamo-nos a Cristo, amados irmãos, e não pesará sobre nós o seu poderoso braço; pelo contrário: o Senhor mostrará seu incomensurável Amor, que se derrama sobre homens.

O menino-Deus vem instaurar a paz, onde já não haverá mais limites e as guerras não terão vez (cf. 8,6). E  esta consumação se inicia com o Evangelho, pois a Parusia está próxima! O que os anjos disseram Isaías já havia profetizado. E este tempo novo dá-se em Cristo, Senhor e Juiz da História.

A vida de Jesus, às vezes, parece um paradoxo: Como um Rei – sabendo ainda que se trata de Deus – pode nascer num estábulo? Como pode alguém trazer a paz se todos os que O seguem sempre foram e serão perseguidos? Jesus refere-se a um sentido escatológico; o próprio nascimento foi voltado para a escatologia. A grandeza de Jesus está na humildade, e a glória da Igreja e do cristão está na perseguição.

Apparuit enim gratia Dei salutaris omnibus hominibus – Manifestou-se a graça salvadora de Deus a todos os homens” (Tt 2,11). Jesus manifesta-se! Ele é a graça salvífica do Pai destinada a todos os homens. Todos são chamados a experimentarem e mergulharem neste mar de benevolência. Manifesta-se Cristo para que os homens não silenciem-se. Sempre repetimos: Vinde Senhor Jesus! Ele veio! Ele está conosco! Seja louvado o Deus que desce para elevar a nossa mísera condição. E tudo isso Ele faz por Amor. Amor! Palavra doce que ecoa tão suave em nossos ouvidos. E onde poderíamos achar maior doçura do que em Jesus?

Ainda hoje clamamos para que o Senhor se manifeste. Manifeste-se o Senhor e dissipe o mal da nossa sociedade. Manifeste-se e quebre os poderes opressores do pecado que dominam muitos dos vossos filhos. Manifeste-se e toque no coração daqueles que vos esqueceram; daqueles que já não mais Vos buscam; daqueles que procuram salvação onde não há; daqueles que deixam-se seduzir pelas concupiscências e desejos carnais. Vivamos neste mundo como peregrinos, e elevemos nossos olhos aos imperecíveis bens celestiais. Deixemo-nos pertencer ao Senhor; sejamos d’Ele, e só d’Ele!

O Evangelho de São Lucas lido na Santa noite de Natal nos diz que, após ser rejeitado nas casas, o Senhor nasce em um estábulo, numa gruta, em uma noite fria, ao lado de animais. Não encontrou o Senhor abrigo em sua primeira vida, e ainda hoje continua a ser rejeitado por aqueles que deveriam acolhê-lo. Procura um lugar para nascer, mas as portas se fecham para Ele, ou, muitas vezes, lhe oferecem uma gruta fria.

Após seu nascimento São Lucas vai afirmar que haviam alguns pastores na região, aos quais apareceu um anjo avisando do nascimento do Senhor. E, de repente, juntou-se uma grande multidão da milícia celeste e entoaram: “Gloria in altissimis Deo, et super terram pax in hominibus bonae voluntatis – Glória a Deus nas alturas, e paz na terra as homens de boa vontade” (Lc 2,14). E os pastores foram imediatamente a Belém. A Igreja nos aponta o Menino-Deus, vamos também nós em direção ao presépio. Deixemo-nos impelir por esta fragilidade fortalecedora. Aquele bebê parece pequeno e frágil como todos os outros, Mas sua fortaleza perpassa também por esta aparente pequenez. E ali em Jesus repousa a verdadeira paz, que a humanidade só encontrará quando deixar-se envolver por seu abraço.

O Senhor veio! Despertem! Não estejais cansados, mas revigorados pela sua força regeneradora. Maria Santíssima e São José nos ensinem a caminharmos ao encontro do Salvador que jamais nos abandona.

Santo Natal a todos!

Animados pela fé – Meditações em 1 Tes 3

Hoje adentramos no terceiro capítulo da carta de São Paulo aos Tessalonicenses. Nos versículos 1-2, Paulo fala de sua estadia em Atenas, juntamente com Silas, e do envio que faz de Timóteo, se estreito colaborador.

No versículo terceiro Paulo descreve como que uma realidade das perseguições que deveríam suscitar-se contra a Igreja por meio daqueles que repudiavam-na, e repudiavam o seu Fundador. Por isso, ele escreve explicando o objetivo do envio de Timóteo: “Para que ninguém desfaleça nestas tribulações. Pois bem sabeis que para isso é que fomos destinados. Quando estávamos convosco já dizíamos que haveríamos de passar tribulações; foi o que aconteceu, como sabeis” (v. 3-4). Tribulação! Perseguição! Tais palavras dilaceram nosso espírito e nos incitam, diversas vezes, a desistirmos da caminha cristã e a desistirmos do sofrimento como algo que não nos dará nenhum valor e nada nos ensinará.

Na verdade, tais pessoas que assim pensam, também não vivem de acordo os ensinamentos evangélicos. Se o sofrimento fosse em vão, também em vão seria o sofrimento de Cristo. O sofrimento esvaziar-se-á de seu sentido sempre que tentamos restringí-lo a esse mundo; sempre que o limitamos a vê-lo como uma barreira para o progresso material. Alcança maior glória quem bem sabe sofrer e suporta todas as tribulações com amor e paciência em Cristo, sabendo que não lhe será em vão. Sofre bem quem sofre com Cristo; sofre mal quem se apega a este materialismo mundano e esquece-se de Cristo. Este não mais sofre para o bem, senão sofre porque sente-se vazio e em nada ser-lhe-á frutífero assim sofrer. Bem dirá São João da Cruz, místico e Doutor da Igreja, cuja memória ontem celebramos: Não fujas dos sofrimentos, porque neles está a tua saúde“.

Mas, voltemos ao texto paulino. Dissemos noutro dia, que a Igreja sempre foi e será perseguida. Não obstante o maravilhoso trabalho que tem realizado, a perseguição não diminui e o que incomoda é o Evangelho que a Igreja transmite, a Palavra de Deus encarnada, o Logos. Ora, porventua estaria o Evangelho exercendo seu papel se ele não incomodasse? Porventura estaria a Igreja exercendo seu papel se ela não arranhasse os pecados e as ideologias que buscam prevalecer em certos corações? Seja grande o Deus que incomoda! Seja adorado o Deus que não “respeita” o pecado, mas o destrói pelo precioso Sangue Redentor de Seu Filho Unigênito .

Por isso – continua o apóstolo –, não podendo mais suportar, mandei colher informações a respeito de vossa fé, temendo que o Tentador vos tivesse seduzido, inutilizando o nosso trabalho” (v. 5). Em um primeiro momento, ao lermos este texto, parece-nos que Paulo está preocupado não tanto com a comunidade, mas com o seu trabalho que tornar-se-ia em vão.

Ora, afirmamo-vos que mais estava Paulo preocupado com a comunidade e sua fé, do que com sua fama e trabalho; pois um servo de Jesus Cristo não deve procupar-se com com o que os outros irão pensar dele, mas o que Deus cobrará dele. O que os outros pensarão caso ele não cumpra o trabalho que foi-lhe confiado.

E por que Paulo se preocupa com a fé daquela comunidade? Ora, não precisamos avançar muito para logo acharmos o centro do texto. Onde, pois, pode subsistir a alegria de uma comunidade senão na fé? Uma alegria que não se fundamente na fé torna-se vazia e sem sentido. Uma alegria que não tenha Cristo no centro não dá expectativas escatológicas ao homem, mas faz com que ele limite-se com o que hoje vive. Fundamentar-se em falsas alegrias significa abster-se da verdadeira e única alegria que é Cristo. E a pergunta é: Em que nos alegramos? Em Cristo, que deve ser o único e verdadeiro motivo da nossa alegria; ou neste mundo, invólucro de mentiras e que dá-nos uma falsa concepção de esperança? Acaso foi na esperança do mundo que fomos salvos ou na esperança de Cristo?

Não foi na fé de Cristo que encontramos repouso? Por isso no sétimo versículo Paulo diz: “Meus irmãos, a vossa fé nos consolou, em meio a muita angústia e tribulação. Agora estamos reanimados, porque estais firmes no Senhor” (vv. 7-8). Triste é ver que muitos não mais se consolam no Senhor, mas nos prazeres efêmeros deste mundo. Há pois consolação onde só se ver destruição e ócio? Não! Não há! Mas há consolo naquele que sempre está disposto a acolher-nos. Há consolo naquele que jamais abandona seus filhos e os entrega às superficialidades.

Devemos dar alegria ao Senhor! Sejamos o motivo de sua alegria! Não há alegria onde há tristeza. Só pode haver alegria onde há alegria! Em Deus há alegria! Seja Deus o motivo de nossa alegria, e sejamos o motivo da alegria dele.

“A vós, porém, o Senhor faça crescer e ser ricos em amor mútuo e para com todos os homens, a exemplo que nós vos temos. Queira ele confirmar os vossos corações numa santidade irrepreensível, aos olhos de Deus, nosso Pai, por ocasião da Vinda de nosso Senhor Jesus com todos os seus santos” (vv. 12-13).

Crescer e ser ricos no amor mútuo. O amor nasce na comunidade, mas deve chegar a todos os homens, mesmo aqueles que não crêem em Deus. Não importa o tamanho da comunidade, o que importa é que ela viva contrita ao Evangelho. O verdadeiro valor de uma comunidade não está na quantidade. Cresce-se muito, torna-se pior. Porém, ainda que seja pequena e esteja unida ao Evangelho, esta comunidade tornar-se-á cada vez melhor.

Confirmar os corações! Também esta missão foi destinada a Igreja, na figura de Pedro, pelo próprio Senhor, ao afirmar: “Confirma fratres tuos – Confirma os teus irmãos” (Lc 22,32). Confirmar-nos também em santidade. “Sede santos!” Um clamor das Escrituras Sagradas. Todos somos chamados à santidade, mas ninguém pode ser santo por si só, se não se confiar a Deus. E esta santidade nos há de dirigir para o salvífico encontro com Cristo na sua vinda. Vinda esta que dar-se-á com todos os seus santos. Ora, não nos mostra Paulo, há dois mil anos, que deve existir a santidade? Que precisamos de santos em nossos dias?

Louvemos a Deus pelo admirável testemunho dos Santos; os eleitos que virão na glória do Senhor. É importante apenas esclarecer que Santos podem ser os eleitos, os que se salvam ou os anjos; como também todos nós, chamados à santidade. Em outras traduções de algumas bíblias se diz ao invéz de santos: Todos aqueles que são dele. Essa afirmação cai por terra ao sabermos que todos são de Deus, mas nem todos são chamados a santidade, não porque não podem, mas porque não querem.

Como bem ressaltou João Paulo II, falando da santidade:

“A Igreja Católica sempre acreditou que desde os primeiros tempos do cristianismo os Apóstolos e os Mártires em Cristo estão unidos a nós mais estreitamente, venerou-os particularmente juntamente com a bem-aventurada Virgem Maria e os Santos Anjos, e implorou devotamente o auxílio da sua intercessão. A eles se uniram também outros que imitaram mais de perto a virgindade e a pobreza de Cristo e além disso aqueles cujo preclaro exercício das virtudes cristãs e dos carismas divinos suscitaram a devoção e a imitação dos fiéis. (…) A Sé Apostólica (…) propõe homens e mulheres que sobressaem pelo fulgor da caridade e de outras virtudes evangélicas para que sejam venerados e invocados, declarando-os Santos e Santas em ato solene de canonização, depois de ter realizado as oportunas investigações.”

(João Paulo II, Const. Apost. Divinus perfectionis Magister).

Alegrai-vos! O Senhor está perto!

Este dia a liturgia nos apresenta como Gaudete, ou seja, “Domingo da Alegria”, por isso pode se utilizar o róseo como cor litúrgica. Isto para nos mostrar que o Senhor está perto. Estejamos preparados! Alegrai-vos! Aproxima-se o Senhor, e nós somos chamados a irmos ao seu encontro com o coração purificado, ainda que em nossa fragilidade.

Na primeira leitura do Profeta Isaías está escrito: “Criai ânimo, não tenhais medo! Vede, é vosso Deus, é a vingança que vem, é a recompensa de Deus; é ele que vem para vos salvar” (Is 35, 4). Sim! Deus se aproxima! Faz-se nosso “companheiro”, vem habitar conosco, para que possamos ser redimidos pelo seu sangue, para que possamos participar dos seus salvíficos desígnios, e que assim sejamos membros do seu corpo, tornando-nos partícipes do seu Reino definitivo. Também neste mundo as palavras de ânimo e encorajamento devem invadir nosso ser e instruir-nos a seguirmos os ensinamentos evangélicos, ainda que pareçam difíceis e por vezes exigentes.

https://beinbetter.files.wordpress.com/2010/12/papa_rosa.gifO Senhor vem e com Ele vem a salvação. Aliás, Ele próprio é a salvação que nos foi concedida por Deus, que não se limita a olhar nossos pecados, mas com sua misericórdia vai além: Ele olha para o nosso interior e sempre nos dá uma nova chance. Ele nos vê com amor e misericórdia. Deus se aproxima de cada um, bate à porta e espera que possamos abri-la.

Na segunda leitura, São Tiago completa a exortação de Isaías. Toda a leitura é muito bela, e nos coloca em profundo contato com a mensagem redentora de Cristo. Para que vem o Senhor? Quando Ele virá? Assim nos diz o apóstolo:

Ficai firmes até à vinda do Senhor. Vede o agricultor: ele espera o precioso fruto da terra e fica firme até cair a chuva do outono ou da primavera. Também vós, ficai firmes e fortalecei vossos corações, porque a vinda do Senhor está próxima. Irmãos, não vos queixeis uns dos outros, para que não sejais julgados. Eis que o juiz está às portas. Irmãos, tomai por modelo de sofrimento e firmeza os profetas, que falaram em nome do Senhor” (5, 7-10).

Esta meditação permite-nos ver em quanto às leituras se completam. Somos exortados pela Escritura. Se no Velho Testamento exortar-se-á a uma preparação para a primeira vinda do Messias, que foi rejeitado entre os homens; no Novo Testamento somos exortados à iminente vinda definitiva do Senhor, que em seu Reino definitivo julgará a todos igualmente.

Permaneçamos firmes! Mas… como? Como estar firme em uma sociedade que não pensa em Deus e não o põe como seu único centro? Como estar firmes em uma sociedade que prefere se obscurecer com suas ideologias a enxergar os mandamentos divinos que nos trazem a verdadeira luz?

Tais respostas para estes enigmas encontram-se presentes no nosso cotidiano: na oração! Por meio dele podemos vencer todas dificuldades e tentações. Precisamos nos confiar aos brancos do Senhor. Precisamos deixar que Jesus possa dar sentido a nossa vida. Ele [e unicamente Ele!] poderá fazê-lo. É necessário, no entanto, a paciência. Só pode firmar-se aquele que está paciente, pois sabe esperar na oração o advento definitivo do Senhor.

E com esta idéia de espera chegamos ao Evangelho. Jesus fala de João Batista, seu precursor. A mando de João, os seus discípulos vão a Jesus para interrogar-Lhe se era mesmo o Cristo ou viria outro. Após levarem a resposta a João, que já estava preso por Herodes, Jesus começa a dizer:

“O que fostes ver no deserto? Um caniço agitado pelo vento? O que fostes ver? Um homem vestido com roupas finas? Mas os que vestem roupas finas estão nos palácios dos reis. Então, o que fostes ver? Um profeta? Sim, eu vos afirmo, e alguém que é mais do que profeta. É dele que está escrito: ‘Eis que envio o meu mensageiro à tua frente; ele vai preparar o teu caminho diante de ti’. Em verdade vos digo, de todos os homens que já nasceram, nenhum é maior do que João Batista. No entanto, o menor no Reino dos Céus é maior do que ele” (Mt 11, 7-11).

Ora, como podemos entender a afirmação destacada? João é aquele que está no limiar do Antigo para o Novo Testamento. Ele faz esta “divisão”. Não que ele seja o menor em tamanho, mas ele ainda, de certa forma, está unido ao Antigo Testamento, e o Novo tem início a partir de Jesus Cristo que a tudo renova. João é o maior nascido dentre as mulheres, segundo afirma Jesus. Maior até que Moisés e Elias, que também situam-se no Velho Testamento.

Peçamos que o exemplo de João Batista irradie em nós um espírito de testemunho e amor ao Evangelho.

Meditações sobre as Cartas Paulinas – 1 Tes 2 (Parte II)

A Palavra de Deus por excelência é Jesus Cristo, e isto a Igreja sempre teve presente consigo durante a sua jornada terrena. O Logos encarna-se no seio virginal de Maria, a Palavra faz-se carne, como nos relata o Apóstolo João (cf. Jo 1,14). Este maravilhoso acontecimento dá um novo rumo à humanidade e a transforma, ainda que em sua fragilidade. Mesmo em nossa fragilidade, mesmo com os nossos pecados, em nossa miséria incomensurável, ainda que estejamos no maior dos abismos, Deus se inclina e nos olha com misericórdia; Ele desce aos abismos, se rebaixa à nossa condição humana para resgatar-nos. E triste é ver que muitos o renegam!Muitos não se deixam amar por Deus.

E assim, São Paulo continua sua exortação aos Tessalonicenses, no capítulo 2, versículos 13 a 20, do qual falaremos hoje. Escreve: “Agradecemos a Deus sem cessar, por que, ao receberdes a palavra de Deus que ouvistes de nós, vós a recebestes não como palavra humana, mas como o que ela de fato é: palavra de Deus, que age em vós que acreditais” (v. 13). Acreditar na Palavra de Deus! Eis uma das questões mais difíceis do homem moderno compreender. Às vezes nos perguntamo: por que tantas pessoas, mesmo católicos, muitas vezes não querem seguir a Palavra de Deus? E a resposta é que, não obstante recorrer a Deus nos momentos de aflição e necessidade, no momento de vivenciar as leis e os mandamentos, todos correm, todos se fecham em seus individualismos e fazem-se deuses de  seus mundos.

De fato, o cristão é chamado a experimentar Deus não apenas em seus momentos de misericórdia, mas também nos mandamentos que fazem parte da caminhada, e nos ajudam a enfrentar as dificuldades que surgem no decorrer desta caminhada.

Também torna-se necessário que os pastores conduzam seu rebanho na sã doutrina, não ensinando ideologias particulares, como convier a cada um; mas que assumam seu papel. Que saibam viver a radicalidade do Evangelho, anunciando aquilo que a Santa Igreja, em comunhão com os Sucessores dos Apóstolos, transmitiu nestes vinte e um séculos.

Em seguida, São Paulo faz uma grave advertência aos judeus que estavam fechados ao Evangelho por ele anunciado. “A ira de Deus está prestes a cair sobre eles” (v. 16). O que Paulo queria afirmar com palavras tão duras?

Em primeiro lugar, tenhamos presente o contexto da época. Estavam perseguindo os cristãos; haviam matado Jesus e perseguiam as Igrejas espalhadas pela região. Uma realidade não muito adversa da que encontramos nos dias hodiernos. Ainda hoje a Igreja de Deus é também perseguida em seu vasto campo de missão. Porém, ainda que pareçam vir à tona as dificuldades, a Igreja permanecerá inerente à sua missão, tal como nos foi transmitida desde os primórdios da nossa fé cristã.

Mas voltemos ao termo “ira”. Ora, no começo afirmamos que Deus é a misericórdia, que é capaz de nos resgatar dos mais profundos abismos, como agora ele pode ter ira? Bem, na verdadea ira de Deus, a sua cólera, não se exerce contra o ser humano, mas contra o pecado. E isto São Paulo nos relata bem: “A ira de Deus é revelada dos céus contra toda impiedade e injustiça dos homens” (Rm 1,18). Não que Deus seja um ser impiedoso, inclemente; pelo contrário, a sua natureza é Amor. E graças a este amor a salvação foi-nos dada. Mas Ele não nutre estima pelo pecado dos homens; pelo contrário, abomina o pecado, e busca o extirpar do ser humano.

Deus é um juiz justo, que, como recorda Jesus, colhe aquilo que semeia. Se nós pecamos e não nos arrependemos; se não nos convertemos, se optamos por destinar-nos ao inferno (à morte), então Deus nada poderá fazer, pois Ele não fere a liberdade humana, mas a respeita. Cuidemos para que a ira não venha sobre nós também!

Eis, por fim, uma passagem onde São Paulo manifesta seu desejo de voltar uma outra vez a Tessalônica, mas, segundo ele, havia sido impedido por Satanás (cf. v.18). No entanto, Paulo não desiste, e nos ensina algo fundamental para a nossa caminhada. A verdadeira esperança reside em Deus. E se Ele vive em nós esta nunca poderá morrer! Ainda que a chama pareça estar se apagando, o Deus da vida, que é luz, nunca deixará que ela se induza pelo caminho do desespero e da obscuridade.

Falando da iminente vinda do Senhor, no último versículo deste capítulo, o apóstolo das nações manifesta sua alegria pelos seus evangelizados. Ele se realiza em sua missão, e isto lhe valerá no dia do julgamento.

Maria, Virgem Imaculada, concebida sem pecado, nos ajude nesta caminhada. Dá-nos sabedoria e entendimento para colocarmos em prática a mensagem do Vosso Filho. Concede-nos coragem para enfrentar o mal, e concede-nos amor para amarmos os que se entorpecem por esse caminho. Amém.

“Ligado para a intimidade”

Fazendo eco ao excelente post do Everth sobre o vício da pornografia cujo tema é abordado por uma novela, quero deixar um link para o melhor e mais honesto livro de psicanálise já escrito sobre o assunto. Li a recomendação pela Zenit, importei a e não me arrependo. O livro – não há tradução em português – é “WIRED FOR INTIMACY: How Pornography Hijacks The Male Brain” cuja tradução seria: Ligado para a intimidade: Como a pornografia seqüestra o cérebro masculino. O autor, Willian Struthers, é um psicólogo católico e tem ampla experiência no tema, partilha as mais sérias pesquisas no assunto. Ou seja, é um homem de fé e de ciência, e vemos isto em sua obra.

O homem é programado para buscar a intimidade feminina, seja afetiva, seja sexual. Assim é a natureza masculina, visando a formação de uma família e a sobrevivência da espécie. Dado a concupiscência da carne, a pornografia transtorna estes relacionamentos, quando de maneira desordenada esta busca da “initimidade” transforma-se em voyerismo, na visão de um casal tendo relações sexuais exibicionistas e artificiais. E o efeito da pornografia é o mesmo de uma droga, as mesmas áreas cerebrais movidas porum vício em drogas químicas são ativadas num cérebro masculino vendo pornografia. O autor também aborda a inseparável consequência da pornografia: a masturbação, e as consequentes dificuldades de relacionamento, auto-imagem e transtornos de afetividade que gera. Conseqüências terríveis na sexualidade, porque assim como um viciado caminha por drogas químicas cada vez mais pesadas, o viciado em pornografia termina por danificar sua sexualidade de tal forma que apenas doses mais e mais intensas – “hardcore” – de pornografia o excitam… com todas os perigos que gera à convivência familiar: um viciado pesado em pornografia não mais consegue se excitar com seu próprio cônjuge. Pornografia é uma droga, não é questão de liberdade de expressão apenas. Além de que é pecado, um pecado em que o pecador é a vítima que caiu na cilada do mal, o vício da pornografia e da masturbação.

O livro é fantástico, realmente pesquisa séria na área, a ciência confirmando um ensinamento moral. A pornografia não só é pecado, mas é um vício que degrada psicologica e gravemente suas vítimas. Como o próprio autor diz, num primeiro momento da exposição a pornografia, há uma escolha moral. Depois, no avanço do vício, já há pouca liberdade obtida por ele, como um dependente químico tem pouco controle para oferecer resistência a droga que já está acostumado.

A quem sabe inglês, vale a pena adquirir um. A quem não sabe inglês, vale a pena aprender para poder ler.