Divagando sobre o sofrimento. Primeira parte.

FONTE: http://is.gd/GjsTDx

É muito comum nos flagrarmos em pensamentos como: se Deus é onipotente então pode tudo, se pode tudo poderia acabar com o sofrimento do mundo. Certo?

Esse argumento por demais simplório arrebata multidões de semi-analfabetos religiosos que sequer ousam parar por cinco minutos para pensar na besteira que estão falando. Infelizmente é assim.

Carta Apostólica Salvifici Doloris do nosso Beato então Papa João Paulo II, começa da seguinte maneira:

1. « Completo na minha carne o que falta aos sofrimentos de Cristo pelo seu Corpo, que é a Igreja ». (Col 1, 24)

Por ora é bom deixar essa história de Corpo de Cristo ser a Igreja um pouquinho de lado. Aos poucos chegamos lá.

A questão toda é: se Deus é amor, e disso ninguém discorda por ser preceito bíblico, então não quer sofrimentos. A medida que o sofrimento existe, mas Deus é amor e não quer o sofrimento e é onipotente podendo inclusive acabar com esse sofrimento, então Deus não seria nem onipotente, porque não pode acabar com o sofrimento ou, por outro lado, não seria amor porque não quer acabar com o sofrimento. Isso provaria que ou Deus é perverso ou não existe e o mundo caminha de forma aleatória na história.

O argumento, a princípio causa alívio nos ateus e ojeriza nos cristãos, contudo ambos costumam não saber do que estão concordando ou discordando, apenas o fazem por absoluto orgulho de vencer uma tênue discussão.

Em princípio é importante entender que a onipotência de Deus não significa que Ele pode tudo inclusive o ilógico, o incoerente. Deus não pode fazer de um círculo um quadrado porque isso é contra toda a lógica. Um círculo é sempre um círculo e essa é uma verdade que nem a matemática nem os historiadores de cunho esquerdista podem mudar. Podem mudar, sim, o conceito de círculo para, assim, tentarem mudar a essência. Normalmente é esse o caminho usado. A falácia é a ordem do dia.

Mas voltando, Deus não pode fazer o incoerente porque é perfeito e perfeição não admite incoerência. Incoerente somos nós que somos imperfeitos. A incoerência é inerente à imperfeição. Faz parte dela. Deus criou regras para que não só o Universo material fosse regido, mas tudo quanto há de material e espiritual. Essas regras são universais na falta de uma palavra que seja mais abrangente.

Pergunta-se o seguinte: se Deus criou regras para tudo, qual seria a coerência dessas regras se Ele mesmo ou alguns seres ou coisas estivesses fora dessas regras? Deus criou as regras que Ele mesmo obedece, por livre vontade, mas obedece. Nós não escolhemos, mas Ele poderia ter escolhido não seguir tais regras. Poderia? Não, não poderia, porque é coerente, é perfeito. Essa perfeição o obriga a seguir as regras que fez para tudo e para todos. Isso explica, por exemplo, o livre-arbítrio.

O livre-arbítrio que existe e negá-lo seria desfazer todo o argumento cristológico, seria absolutamente ilógico se alguém fosse forçado ao não-sofrimento. Deus estaria incorrendo em um erro crasso ao impor à humanidade o não-sofrimento porque iria contra outra lei criada por Ele mesmo: o livre-arbítrio. Deus não pode incorrer em erro porque é perfeito. Deus segue, por isso todas as regras que Ele mesmo criou, ao contrário de nosso Congresso Nacional.

Por todos esses argumento chegamos ao seguinte: se seguirmos o raciocínio de que Deus pode tudo, inclusive o ilógico, estaríamos dizendo três coisas:

– primeiro que Deus não é perfeito porque iria querer o ilógico, portanto o incoerente;

– segundo que Deus pode ir contra as regras que ele mesmo criou;

– terceiro que Deus e o sofrimento podem coexistir já que um Deus-amor pode ser ilógico e querer o sofrimento, uma vez que atacou o segundo ponto que seria a sua própria lei do livre-arbítrio.

Vamos resolver a questão, portanto.

Deus é totalmente amor, não é 90% amor, é 100% amor. Isso é algo que só podemos imaginar em teoria, nunca em prática já que só Deus é amor, 100% amor. Pois bem, Se é totalmente amor então não pode permitir o sofrimento porque o sofrimento é mau. Esse argumento é falacioso, como já mencionamos acima, justamente porque partiu do pressuposto de que o sofrimento é mau, o que não necessariamente é verdade. Muitas vezes deixamos que algo de “mau” aconteça (um sofrimento) para que algo de bom se sobressaia. O sofrimento, portanto, necessariamente, não é mau.

Acontece que, por um sofrimento imediato nos fechamos ao argumento de que algo de bom pode vir daquilo. É como uma criança que é castigada. Para ela aquilo é algo intrinsecamente mau, embora nem saiba o significado de intrinsecamente. O problema é que a criança apenas vai pensar no momento e não na situação como um todo. Já o adulto não, ele pensa na situação como um todo e no futuro crescimento daquela criança com aquele castigo. A criança não tem capacidade intelectual, muito menos emocional de entender isso.

Por outro lado, o ser humano, adulto ou não, também não tem condições plenas e ilimitadas, espiritualmente falando, de entender o que aquele castigo (sofrimento), o que aquele mal momentâneo, pode lhe trazer de bom. Não consegue sequer imaginar que algo de bom pode advir daquele mal absurdo que ele presencia naquele momento histórico. Não entende que Deus está fora da história. Que Deus criou o tempo e não se sujeita a ele. Que Deus vê tudo de fora e sabe exatamente o que acontecerá se modificar essa ou aquela peça no tabuleiro. No xadrez precisamos muitas vezes sacrificar cavalos, rainha, bispos, torres e peões para que o rei sobressaia e vença a partida. Deus vê de fora, é o jogador, nós somos a partida que fica infeliz por perder algumas peças, mas não percebemos que a perda dessas peças gerará a vitória final.

E por fim, para sustentar o argumento de que o sofrimento é mau e que Deus não quer o mau pois é bom e por isso não existe, precisaria sustentar o argumento e que um universo livre do sofrimento necessariamente seria melhor que um mundo com o sofrimento. Algum de vocês conhece um mundo sem sofrimento para nos servir de parâmetro? Não? Então não podemos provar que necessariamente um mundo sem sofrimento seria melhor pelo simples fato de que não podemos comparar.

Sacrosanctum Concilium, Parte Seis. Santa Missa: culto agradável a Deus e o caráter esponsal de Cristo com Sua Igreja.

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Sacrosanctum Concilium. Parte três. Um guarda fiel da tradição.

Sacrosanctum Concilium. Parte quatro. A plenitude do culto divino.

Sacrosanctum Concilium. Parte Cinco. A presença de Cristo na Santa Missa.

Gostaria de voltar a insistir no início do documento conciliar Sacrosanctum Concilium, mais especificamente em seu número 7.

A riqueza de conteúdo de um simples parágrafo que trata da presença de Cristo na liturgia é imensa, senão vejamos:

7. (…) Em tão grande obra, que permite que Deus seja perfeitamente glorificado e que os homens se santifiquem, Cristo associa sempre a si a Igreja, sua esposa muito amada, a qual invoca o seu Senhor e por meio dele rende culto ao Eterno Pai.

A grande obra mencionada, sem dúvida é a missa que o parágrafo anterior e todo o documento discorrem, entretanto, logo na primeira frase desse parágrafo algo significante é revelado:

“(…) permite que Deus seja perfeitamente glorificado e que os homens se santifiquem, (…)

Ora, a Santa Missa permite que Deus seja perfeitamente glorificado, então porque modificá-la ao bel prazer de quem assiste ou pretende prepará-la? A perfeição mencionada não é figurativa, é conceitual. Perfeição é perfeição. Algo perfeito não precisa ser modificado. Tudo se modifica porque busca a perfeição, penso que não há dificuldades em entender isso. Se a missa “permite que Deus seja perfeitamente glorificado”, não é a mudança inserida por um sacerdote desobediente ou mal-formado ou mesmo uma equipe de liturgia mal-conduzida e muito garantidora de si que poderá modificar a liturgia ao seu bel prazer.

A perfeição inserida na liturgia por todos os motivos imaginados e ainda o caráter sacrifical e de culto que a Santa Missa traz consigo, garante a ela o direito de não ser modificada a não ser por quem de direito, por quem tem o poder de ligar e desligar concedido pelo Cristo (Mt. 16, 18 ss) e porque quem tem o poder de pastorear (Jo 21, 15-17). Sim, a Igreja pode modificar a liturgia, mas obviamente não como um todo, o cerne da Santa Missa nunca poderá ser modificado, nem mesmo pela Igreja de Cristo.

Em outro momento, dentro da mesma frase, temos o seguinte:

“(…) e que os homens se santifiquem.

Ora, se a Santa Missa permite que Deus seja perfeitamente glorificado, por obviedade que a consequência disso é a santificação dos homens, que não são alvos da Santa Missa, já que é culto agradável a Deus (Rm 12,1-2) instituído pelo próprio Cristo, mas os homens ali presentes se santificam pelo Espirito Santo de Deus que é amor (1Jo 4,8 e 1Jo 4,16) e transborda esse amor gerando cada um de nós e o mundo a nossa volta com o poder santificador que só através de Deus pode vir.

Esse ponto é o que os protestantes não conseguem compreender, alguns por absoluta ignorância (que é o que os salva) e outros por total má-fé (que é o que os condena). Só Deus salva e o único mediador é Cristo (1Tm 2, 5), contudo essa salvação santificante vem através da missa quando há a consagração do corpo e sangue de Cristo (Eucaristia) conforme prescrito por Ele próprio. Cristo morreu para nos salvar, Ele não ressuscitou para nos salvar. Por esse motivo a Santa Missa é a celebração da cruz, da morte e não da ressurreição que só é memorial nesse milagre que todos os dias acontece sobre a Terra e nos passa desapercebido.

Para se chegar a estar plenamente preparado para ter Cristo dentro de si é preciso seguir um sério caminho santificador que não é fácil de ser percorrido e que não se percorre sozinho. Nesse ponto entram os santos e a maior de todas, Maria, aquela que é o ser humano mais perfeito criado por Deus; além da Igreja, claro (Hb 5,1). É Deus que salva e é Cristo o mediador, o que não impede que outros mediadores nos levem a Cristo. Levando-nos a Cristo levam-nos, infalivelmente, à Santa Missa que, por sua vez, tem esse poder santificante sobre os homens.

Terminando esse ínfimo parágrafo que muito diz em pouquíssimas palavras, temos o seguinte:

“(…) Cristo associa sempre a si a Igreja, sua esposa muito amada, a qual invoca o seu Senhor e por meio dele rende culto ao Eterno Pai.”

Cristo sempre se associa a Sua Igreja pelo fato de que é Sua esposa amada. Assim como o homem se associa permanentemente à sua esposa quando enlaçados pelo matrimônio, Cristo se associa inseparavelmente à Sua esposa que é a Igreja e por meio dela presta culto ao Pai, assim como deve ser prestado culto ao Pai pelos esposos em seu matrimônio.

Cristo quis unir-se à Igreja por meio de uma aliança indissolúvel e, mesmo que não esteja presente fisicamente no meio de nós, Ele está de forma sacramental e esponsal no seu corpo místico: a Igreja, sua esposa, afinal os esposos se tornam uma só carne (Gn 2, 24; Mt 19,5; Mt 19,6; Mc 10, 8 e Ef 5,31). Tornando-se uma só carne com Cristo, a Igreja é Cristo no meio de nós. Uma breve leitura de Os 2,21-22 e mais especificamente do capitulo segundo inteiro, pode nos abrir a mente quanto ao caráter esponsal havido entre Cristo e Sua Igreja.

Sacrosanctum Concilum. Parte Cinco. A presença de Cristo na Santa Missa.

Ainda falando sobre a natureza da sagrada liturgia e sua importância na vida da Igreja, o número 7 do documento intitulado Sacrosactum Concilium assim manifesta ipsis litteris:

7. Para realizar tão grande obra, Cristo está sempre presente na sua igreja, especialmente nas ações litúrgicas. Está presente no sacrifício da Missa, quer na pessoa do ministro – «O que se oferece agora pelo ministério sacerdotal é o mesmo que se ofereceu na Cruz» (20) – quer e sobretudo sob as espécies eucarísticas. Está presente com o seu dinamismo nos Sacramentos, de modo que, quando alguém batiza, é o próprio Cristo que batiza (21). Está presente na sua palavra, pois é Ele que fala ao ser lida na Igreja a Sagrada Escritura. Está presente, enfim, quando a Igreja reza e canta, Ele que prometeu: «Onde estiverem dois ou três reunidos em meu nome, Eu estou no meio deles» (Mt. 18,20).

Pois bem, certas coisas parecem óbvias, mas não lhe damos com elas com a obviedade que merecem, muito menos com a importância que lhes é devida.

Cristo cria a Sua Igreja e coloca Pedro, alicerçado por seus demais apóstolos, hoje nossos Bispos, para estarem a frente e formarem essa ligação sutil, mas duradoura e indestrutível entre Sua Igreja e os céus. Cristo é a cabeça e a Igreja o Corpo. A Igreja é a esposa de Cristo e com Ele se torna uma só carne assim como o esposa se torna uma só carne com seu esposo ao celebrar suas núpcias sob as bênçãos de Deus perante Sua Igreja.

Assim sendo, é claro que Cristo estará sempre presente todos os dias, em todos os momentos, bons e ruins, de Sua Igreja. Essa foi a promessa em Mateus 28, 20.

Durante a Santa Missa, ponto auge e máximo da vida eclesial e momento mais importante vivido por qualquer ser humano, temos Cristo presente intimamente em vários momentos que nos passam despercebidos.

Ao perguntarmos como Cristo está presente na missa, imediatamente um grande número de pessoas, muitos sem refletir muito sobre o que diz, nos dirá que Cristo está presente na Eucaristia. Sem dúvida. Acertada a resposta! Alguns outros, mas em menor número, dirão que Cristo está presente na pessoa do sacerdote que celebra a Santa Missa. Ponto de novo! Ao perguntar onde mais Cristo se torna presente durante a missa, um silêncio ensurdecedor acontecerá. Façam o teste.

Cristo também está presente em outros momentos da Santa Missa e esse número 7 enfatiza dois outros momentos cruciais para nossa vida religiosa. Ao fazer uma das leituras na missa, inclusive o salmo, cantado ou não, é Cristo que fala. O leitor apenas empresta sua boca para que Cristo se faça presente e fale por aquela pessoa à toda a comunidade ali reunida. Por esse motivo o documento salienta:

(…)Está presente na sua palavra, pois é Ele que fala ao ser lida na Igreja a Sagrada Escritura. (…)

Por isso se discute tanto sobre a preparação de um leitor para a missa. Não deve ser qualquer pessoa, escolhida “a laço” do meio da comunidade, como é comum acontecer. Muito menos uma pessoa que simplesmente quer fazer a leitura por ocasião de um aniversário ou coisa parecida. A leitura tem que ser feita por pessoa de ilibada religiosidade católica. Pessoa que, dentro das condições do local, saiba ler o melhor possível, proclamando uma palavra que não é dele, mas de Deus.

Quanto aos ouvintes, não são, pra início de conversa, leitores. São ouvintes. O melhor é que deixe esses folhetos indesejáveis de lado e olhem para quem proclama a palavra. É Deus que está falando! Caso você estivesse em uma das pregações de Cristo, seja no sermão da montanha ou em qualquer uma de suas pregações e ensinamentos, iria ficar olhando para um folheto ou para o próprio Deus encarnado na sua frente? Vamos lá, a resposta não é tão complicada assim.

É Cristo que fala, e nós devemos ouvir e prestar atenção. Pegar um folheto e ficar esperando o momento em que o leitor irá errar a leitura de uma palavra mais difícil, um plural, uma vírgula ou uma pontuação, não atitude de quem ouve a palavra de Cristo. Aliás, não é atitude digna de quem verdadeiramente está na Santa Missa participando desse momento sublime.

Outro momento em que o próprio Deus se faz presente é quando cantamos e rezamos o que deve ser cantado e rezado durante a Santa Missa. Mais um motivo para não cantarmos qualquer coisa, muito menos dizermos qualquer asneira que nos vem a cabeça, algo muito comum em alguns abusos litúrgicos conhecidos por ai.

O documento manifesta isso de forma muito direta:

(…) Está presente, enfim, quando a Igreja reza e canta (…)

A presença de Deus durante a sagrada liturgia é constante. Não façamos da Santa Missa um momento de prestação de contas social, muito menos de encontro entre amigos. A Santa Missa, como já dissemos, é o momento mais sublime que um ser humano pode vivenciar, já dizia assim Santo Agostinho. Ali acontece o mesmo sacrifício acontecido há mais de dois mil anos sobre o Calvário. Aliás fazemos a memória da ressurreição, mas sobretudo ali acontece o sacrifício de Cristo que morreu para nos salvar e continua sofrendo a cada vez que estamos presentes indignamente durante o sacrifício da Missa. Cada vez que agimos de forma indigna durante esse sacrifício, não somos como João e Maria que estão aos Seus pés sofrendo com Ele e chorando por Ele, somos como os soldados que zombam e tripudiam, massacram e torturam a Cristo. Somos como aqueles que O chicotearam. Sejamos melhores que isso.