Jesus ou Cristo?

Um tema muito discutido na sociedade atual é sobre o Jesus histórico e o Cristo da Fé. Mesmo sabendo que “o homem histórico Jesus é o Filho de Deus, e o Filho de Deus é o homem Jesus” (Introdução ao Cristianismo, Edit. Herder, pag. 152, Joseph Ratzinger), mas nas últimas décadas surgiu, particularmente dentro da Teologia da Libertação, o conceito que o Jesus histórico, apresentado pela ciência, é unicamente suficiente, o Cristo dos Evangelhos é uma estória. Com isso pretendia-se abalar a credibilidade dos Evangelhos. Este pensamento, criado por Bultmann, insere-se em um dos mais absurdos – e por que não o mais absurdo – pensamento da Teologia da Libertação.

O então Padre Joseph Ratzinger, no seu livro Introdução ao Cristianismo, diz:

O dilema dos dois caminhos – de um lado, transpor totalmente ou reduzir Cristologia a História; de outro lado, desvencilhar-se da História, deixando-a para trás como supérflua para a fé – este dilema poderia ser resumido na alternativa que já perpassa a Teologia moderna: Jesus ou Cristo? A Teologia de hoje começa a voltar as costas a Cristo, refugiando-se em Jesus, enquanto historicamente comprovável, para, em seguida, no ápice do movimento, com Bultmann, virar em direção oposta, voltando de Jesus para Cristo fuga, que, todavia, no momento atual, já recomeça a configurar uma nova debanda de Cristo para Jesus (pag. 156).

Eis que estamos diante de uma problemática que afeta muitos dos nossos teólogos e padres da sociedade hodierna. Para muitos, Jesus não passa de um “libertador” social, revolucionário; no entanto, sua essencial missão fica oculta aos olhos de tais pensadores.

Tais erros, infiltrados na Teologia da Libertação, revestem-se de caráter verdadeiro, o que aumenta mais ainda a sua periculosidade, não somente por estar unida a este grupo de ensinamentos marxistas, mas por estar “dentro da Igreja”, por assim dizer. “Com a análise do fenômeno da teologia da libertação torna-se manifesto um perigo fundamental para a fé da Igreja. Sem dúvida, é preciso ter presente que um erro não pode existir se não contém um núcleo de verdade. De fato, um erro é tanto mais perigoso quanto maior for a proporção do núcleo de verdade assumida” (Eu vos explico a Teologia da Libertação, Card. Joseph Ratzinger I).

A teologia da libertação tenta se revestir de um santo catolicismo, quando na verdade são como raposas que tendem a destruir a vinha do Senhor.

Ainda para Bultmann, “Jesus pertence aos pressupostos do Novo Testamento, permanecendo, porém, encerrado no mundo do judaísmo” (ibidem II).

Ora, no seu livro Essência do Cristianismo, Harnack, exprime um cristianismo demasiado orgulhoso e de caráter racionalista, nos apresenta uma espécie de “libertação”, mas que encontra-se envolta em erros. Diz ele: “Não o Filho, mas exclusivamente o Pai pertence ao Evangelho, como Jesus o anunciou”. Mas o que queria ele afirmar com esta frase? Para ele Jesus seria o divisor da humanidade. “Onde a fé no Filho criou separações – cristãos e não cristãos e cristãos de diversos credos – a fé no Pai é capaz de unir. Onde o Filho só a poucos pertence, o Pai pertence a todos e todos a ele. Onde a fé cindiu, o amor pode reunir. Jesus contra Cristo significa: fora com o dogma, retorno ao amor” (Introdução ao Cristianismo, Edit. Herder, pag. 157, Joseph Ratzinger).

E poderíamos então concluir: logo, a salvação estaria unicamente em Deus e não em Jesus. Chegamos aqui ao relacionamento da Santíssima Trindade. A Igreja anuncia, e a própria Bíblia já nos apresentou, que existem três pessoas em um só Deus. O Pai, o Filho e o Espírito Santo, agem conjuntamente. Não se contradizem. Se Deus salva, também Jesus e o Espírito Santo podem fazê-lo. A diversidade de pessoas não dá lugar à diversidade de “deuses”. O próprio Jesus disse a Filipe: “Quem me viu, viu o Pai… Não acreditas que eu estou no Pai e que o Pai está em mim? As palavras que eu vos digo, não as digo por mim mesmo; é o Pai que, permanecendo em mim, realiza as suas obras” (Jo 14,9-10).

E eis que outro ponto ao qual gostaria de fazer um breve comentário é sobre a relação amor e dogma. Verdadeiramente, a Igreja pode também ser definida como a “instituição do amor”. Ninguém, mais que a Igreja ama seus filhos que lhes foram confiados pelo próprio Amor. A Igreja dos mártires e dos santos. A Igreja das diversidades de dons, que buscam fundamentar uma humanidade cada dia mais santa. A Igreja que vive o amor. Mas, para alguns, viver o amor significa ser coerente com o erro. Não! Isto não é amor, é imprudência. Já diz o ditado: “Deus ama o pecador, mas odeia o pecado”. Isto significa que devemos combater os erros. Devemos aniquilar as heresias que se levantam contra a Santa Fé Católica. Viver a liberdade de filhos de Deus, supõe que possamos ter em mente que esta inicia-se no limiar dos mandamentos, e encerra-se onde os mesmos findam-se. Não obstante os erros dos seus filhos, a Igreja incita-os a abandonarem a vida desregrada e afastada de Deus, e a unirem-se a Ele por meio da observância dos mandamentos.

A ciência com seus pressupostos e antepondo-se a fé, não terá uma direção correta. Se as duas não estão lado a lado, de algum lado haverá precipitação. Ainda que historicamente pareça poder trilhar seu caminho individual, a ciência não terá sentido, e não chegará a um destino, se privar-se de Deus. Recordo-me das palavras do Papa João Paulo II: “O homem se encontra num caminho de busca, humanamente infindável: busca da verdade e busca duma pessoa em quem poder confiar. A fé cristã vem em sua ajuda, dando-lhe a possibilidade concreta de ver realizado o objetivo dessa busca” (Fides et Ratio, 33).

No seu livro já citado, o Cardeal Ratzinger fala da teologia da “morte de Deus” (pag. 158), propagadora da idéia que, embora não disponhamos mais de Deus, nos fica Jesus Cristo, que torna-se um sinal de confiança e anima-nos a prosseguir. E esta teologia se dá claramente hoje. É a prova viva de que a humanidade necessita redescobrir a face misericordiosa de Deus.

Em conclusão: “Jesus só existe como o Cristo e o Cristo só é real como Jesus… Talvez seja mais indicado confiar mais na presença da fé atuante através dos séculos, que, em sua natureza, nada mais é do que compreensão – compreensão do que e quem finalmente foi Jesus – quiçá seja mais indicado confiar na fé, do que na reconstrução que busca seu caminho fora da realidade. Pelo menos convém tomar conhecimento do que, afinal, essa fé nos diz” (Idem).

Peçamos a Virgem Maria, hoje invocada com o título de Nossa Senhora do Carmo, que interceda pela Santa Igreja, para que possa enfrentar todos os desafios que insurgem contra ela. Aos que puderem, recomendo insistentemente a leitura dos livros Introdução ao Cristianismo e Jesus de Nazaré, para que saibamos defender-nos das heresias que se disfarçam de doutrinas.

Fraternalmente em Cristo Jesus e Maria Santíssima!