Epifania do Senhor: uma luz para os povos

Celebramos com grande alegria a Solenidade da Epifania do Senhor. Jesus Cristo, feito Homem, manifesta-se aos homens e em nós renova-se o constante convite a reconhecermos o Seu poder e a maravilhosa manifestação do Seu Amor. A esta Festa, celebrada neste dia, a Igreja une sua voz a voz dos anjos e santos para reconhecer que só em Cristo, e somente por meio dEle, os homens encontram sentido para a sua existência, mas ainda mais que isso: podem dar sentido a existência do próximo por meio do testemunho autêntico do Evangelho e do despojamento constante dos interesses e falsos “sentidos” que atribuem a este passageiro período.

No entanto, para que este despojamento aconteça, é necessário que os homens saiam de sua comodidade e estejam necessariamente segundo a verdadeira posição cristã. Como, porém, poderíamos conhecer esta posição? Conhecemo-la antes de tudo pelas palavras do profeta, que escutamos na primeira leitura: “De pé! Deixa-te iluminar! Chegou a tua luz! A glória do Senhor te ilumina. Sim, a escuridão cobre a terra, as trevas cobrem os povos mas sobre ti brilha o Senhor, sobre ti aparece sua glória. ” (60, 1-3).

A posição do cristão é a posição daquele que está pronto para guerrear contra as forças do mal. Estar em pé significa estar em constante vigilância, colocar-se a caminho. Assim, o profeta manifesta o nosso caminhar à Cristo. De certo que este caminho não deve ser visto no âmbito empírico mas é sobretudo uma via espiritual. A constante luta que travamos com os meios ideológicos de libertação e de salvação, de felicidades e de prazer, mostra-nos que todas essas coisas podem cair e desvanecem ao poder de Cristo. Mesmo na Igreja surgiram algumas correntes ideológicas que buscavam fazer com que a libertação que vem de Cristo fosse substituída por uma mera libertação social da opressão econômica. “Nós, segundo nos diz São Paulo, não lutamos contra o sangue e a carne, e sim contra os principados e potestades, contra os dominadores deste mundo tenebroso, contra as forças espirituais do mal, nas regiões celestes”. (Ef 6,12)

A verdadeira libertação vem de Cristo porque só Ele é o Libertador. E a sua libertação não é em causa de uma opressão social, mas do pecado, pelo qual Ele nos redimiu com seu Sangue.

Só estando em pé chegaremos a um segundo momento: a iluminação. Esta é confirmada pelo anuncio da chegada da luz, da luz que vem pela glória do Senhor. A luz de Cristo resplandece no mundo como sinal para todos os povos. Só nesta luz achar-se-á o caminho para a salvação. A manifestação da glória de Deus dá-se no nascimento de Cristo, feito homem, rebaixado a nossa condição para salvar-nos e assim pode a luz pairar sobre todos aqueles que nele acreditam.

Para os Magos do Oriente esta manifestação dá-se, poderíamos dizer, empiricamente. Eles fazem a experiência do encontro pessoal com Cristo de forma literal. Mas quem eram os Magos? Devemos dizer que vinham de uma região distante, de cultura e religião diferentes, exerciam funções sacerdotais pagãs. Em contato com judeus, tiveram conhecimento do messianismo com a profecia de que um astro apareceria ao nascimento do maior rei esperado (cf. Nm 24,17). Para Santo Tomás de Aquino, o mesmo anjo que apareceu aos pastores em forma humana apareceu aos magos em forma de astro, por serem pagãos, desconhecedores de anjos.

São Leão Magno, na noite santa do Natal, nos diz: “Reconhece, cristão, a tua dignidade e, tornado participante da natureza divina, não queira recair à condição miserável de outro tempo com uma conduta indigna. Recorda-te de quem é a tua Cabeça e de qual Corpo és membro. Recorda-te de que, arrancado do poder das trevas, fostes trazido à luz e ao Reino de Deus” (Sermone 1 sul Natale, 3,2: CCL 138,88). Os magos reconhecem o Reino de Deus, eles o veem, o tocam; não se recusam em curvar-se diante do pequeno e do frágil Menino de Belém. Abandonam suas crenças para acreditar no Deus verdadeiro, naquele que contemplavam.

Belém significa Casa do Pão, inicialmente chamada Éfrata, isto é, fértil. O nome está em uma intrínseca relação com aquele que ali nasce. Na Casa do Pão é acolhido o verdadeiro Pão, o Pão da Vida, que fortalece o homem e o reanima para a sua caminhada. Ali o Menino rejeitado por todos encontra um lugar na manjedoura, cercado por animais e por seus pais. Jesus é a árvore fértil que faz com que todos os homens tenham vida. Ele é a Vida, vida verdadeira. A fertilidade que dele provém para o homem, não perece, mas é sinal e garantia de eternidade.

Reconhecendo a pequenez do Menino, os Magos reconhecem também a sua grandeza. Só é grande aquele que se faz pequeno. Só reconhece a Jesus quem antes se fizer simples, sair de seu mundo privado, formado por suas ideologias, e colocar-se a caminho daquele que vem ao nosso encontro.

As trevas, segundo a primeira leitura, tomavam a face da terra. Esta realidade não diverge do contexto em que se encontra a nossa sociedade. O obscurantismo da inteligência humana, que deseja sobrepujar a divina, as formas de cientificismo anticristão, a falta do testemunho evangélico e tantas outras situações, manifestam que o nosso mundo ainda não está totalmente iluminado, mas, do contrário, nos sinalizam para a falta de Deus no mundo e nos dizem que enquanto o homem não curvar a sua prepotência à sabedoria divina, não passará de um ser tomado pela escuridão e toda a sua aparente “inteligência” será produto de sua própria destruição.

A glória do Senhor brilha sobre o homem que se curva a Ele. A estrela brilha e conduz todo o que deseja trilhar pelo reto caminho. Muitas vezes aparecem algumas falsas luzes e estrelas que dizem estarem conduzindo o homem para o verdadeiro caminho, dizem serem deuses, mas não são. Só o Deus que salva e liberta o homem da sua ignorância e da sua arrogância é o verdadeiro Deus. O Deus em que só nEle encontramos salvação.

Peçamos ao Senhor que a Sua luz irradie toda a face da terra, para que reconheçam nEle o Deus vivo e verdadeiro, que guia o caminho dos povos e a todos retira do braço opressor das forças das trevas. Que todas as nações deixem-se guiar pela luz que, ainda que pareça muitas vezes ser ofuscada, nunca poderá ser extinta e sempre brilhará como sinal de esperança para os homens, sobretudo nos nossos turbulentos dias. E desta forma pedimos, por intercessão de Maria Santíssima, que gerou e concebeu esta Luz, que cumpra-se entre nós as palavras do profeta: “As nações caminharão à tua luz, os reis, ao brilho do teu esplendor” (Is 60, 3)

Maria: Modelo de vivência da Paz

Celebramos hoje a Solenidade de Santa Maria Mãe de Deus. Ainda envolvidos pelo clima natalino, neste primeiro dia do ano a Igreja confia-se e confia a cada um de nós a proteção materna de Maria Santíssima, aquela que renegou toda a sua vontade para fazer unicamente a vontade de Deus. Neste espírito de cumprir a vontade de Deus e colocá-la em primeiro lugar em nossas vidas é que desejo saudar a cada um neste novo ciclo anual e peço a Deus que vos fortaleça para que reconheçam em Deus a principal fonte de nossa vida. É também um dia importante para ressaltarmos o valor crucial da paz para história, celebrando o Dia Mundial da Paz.

Celebrar a Solenidade da Mãe de Deus é reconhecer, na figura desta, o modelo de serviço e de seguimento, de aceitação da vontade de Deus e de seu cumprimento. Por meio de Maria Deus abre-se a salvação a toda a humanidade. Por ela Jesus Cristo entra no mundo, faz-se um de nós e redime a humanidade. Em Maria a humanidade pode aproximar-se de Deus sem temer. Com sua figura de Mãe que é terna, ela nos mostra que Deus não é um ser privado de um relacionamento conosco, mas está a comunicar-se desde a vinda a criação do mundo até os nossos dias.

Na primeira leitura vemos a benção que os sacerdotes pronunciavam sobre os israelitas nas grandes festas religiosas, nela, vemos evocar o poder de Deus e a sua misericórdia a todos os homens, manifestada na pessoa de Cristo, “Deus verdadeiro de Deus verdadeiro” (Credo Nisceno-Constantinopolitano). Uma das fortes características é a tripla menção ao nome de Deus, que representa a plenitude e a força que dele derivam. É o nome de Deus poderoso, e tão poderoso que é capaz de fazer curvarem os demônios. Só no nome de Deus encontramos força e abrigo para o fortalecimento da caminhada.

São Paulo faz menção também ao poder que há no nome de Jesus: “Ao nome de Jesus todo joelho se dobre, seja no céu, na terra ou nos infernos” (Fl 2, 10). O nome de Jesus, aqui, é associado ao poder que há no nome de Deus, o poder de abençoar, de santificar e de submeter a Ele todas as forças do mal. O nome de Jesus é para os povos sinal de esperança e de paz. Este mesmo Senhor que volve o seu rosto a nós é aquele que nos concede a paz, paz verdadeira que só dele pode vir.

Se vós, homens, buscais a vossa paz fora de Cristo, ainda que no-la encontrem, encontrarão uma paz passageira, finita, limitada a um fato ou a um mero presságio. A paz que vem de Cristo vai além: é eterna e não pode ser abalada por nenhum vento contrário que tente subestimá-la. Os homens só encontrarão verdadeira paz quando encontrarem a Deus, que não está nas buscas ávidas pelo dinheiro e pelo impulso da economia. Também não se pode encontra-lO nos prazeres que esta vida oferece, senão na pequenez de uma criança. Ele humilha-se para que possamos ser engrandecidos.

Na segunda leitura, Paulo faz menção da realização do salvífico desígnio de Deus e da adoção filial pela qual, também nós, nos tornamos filhos. “Quando se completou o tempo previsto, Deus enviou o seu Filho, nascido de uma mulher, nascido sujeito à Lei” (Gl 4, 4). Estas palavras, embora muito meditadas e tendo sido alvo de profundos estudos teológicos, nunca esgotam-se de transmitir-nos uma mensagem sempre renovada cada vez que as lemos. Toca-se assim o cerne do mistério da salvação. Jesus fazendo-se um de nós, submetendo-se a Lei, renova o mundo, renova o coração dos homens e convida-nos a transmitirmos esta sua mensagem a sociedade hodierna. Este não é um simples anúncio, que com a vicissitude dos tempos se esvai e passa a ser algo passado, mas é uma constante novidade que é basilar para a paz no mundo. O tempo já não é nosso inimigo, mas passa a ser nosso aliado. “Desde que o Salvador desceu do Céu, o homem já não é mais escravo de um tempo que passa sem um porquê, ou que esteja marcado pela fadiga, pela tristeza, pela dor. O homem é filho de um Deus que entrou no tempo para resgatar o tempo da falta de sentido ou da negatividade, e que resgatou toda a humanidade, dando-lhe, como nova perspectiva de vida, o amor que é eterno” (Papa Bento XVI, Te Deum em Ação de Graças, 2011).

A cada dia que se passa, nós caminhamos para encontrarmos com Deus, para contemplar aquele que é tão pequeno e tão grande, tão humilde e tão poderoso, um Deus em quem o Amor se concretiza, ou mais ainda, um Deus que é o próprio Amor.

E por isso, quem não ama está privado de conhecer a face de Deus e, por conseguinte, não poderá abrir-se a sua graça santificante e ao próximo. Só reina a paz no coração em que há Deus, onde este não é um ser distante, opressor, mas é humilde. Quem é individualista e quer ter tudo para si não possui a lógica do amor, sintetizada na doação espontânea a Deus e ao próximo. Maria é aquela pela qual Deus demonstra a vitória sobre os arrogantes.

Quem não ama, na lógica do mundo, deve ser colocado à margem, renegado, tido como um divisor. A lógica de Deus nos ensina o contrário: A quem não ama, mais ainda deve manifestar-se o nosso amor. Só amando com o amor de Deus damos sentido a nossa vida e a vida do próximo.

O Evangelho narra-nos que os pastores, primeiros a contemplarem o maravilhoso mistério acontecido naquela gruta, foram também os primeiros a anunciarem tudo o que ali presenciaram (cf. Lc 2, 17). A Igreja é chamada a gritar ao mundo a necessidade que os homens têm de Cristo. Falar de Cristo nunca é demais. Viver o Seu Evangelho, ainda que para o mundo pareça demasiado difícil, para a Igreja é fonte de santidade e vigor.

Foram os pastores caminhando pressurosos ao encontro do menino. Este verbo “caminhar” indica não apenas uma simples ação daqueles que se põem em movimento, mas é também uma atitude recíproca de Jesus. A humanidade caminha ao Seu encontro, mas Ele apressa-se e vem até nós, não nos deixa abandonados, mostra o Seu poder não com autoritarismo, mas manifesta-o com misericórdia. Esse é o nosso Deus, o Deus que nunca nos abandona!

Como os pastores, a humanidade nunca deve resignar-se ao medo ou temer forças aparentemente maiores que a tentem subestimar de sua missão de ser portadora da verdadeira paz. Nenhum poder é maior que o de Cristo! O poder de Cristo é o poder do bem. Só por meio do bem a paz pode alicerçar-se.

Surge então uma pergunta: Como construir a paz em uma sociedade imediatista, portadora de tantas debilidades e de um forte relativismo? Em primeiro lugar a paz deve ser edificada na família. Ali se exerce o lugar primordial para uma convivência pacífica. Quem vive em paz com a família certamente saberá transmiti-la em outros ambientes. A família, contemplado o modelo da família de Nazaré, deve reconhecer que a paz não é apenas uma ausência de relacionamentos conflituosos, mas é também o exercício sadio de uma boa convivência familiar que deve ser transmitido aos filhos.

Um segundo aspecto a se considerar é o relacionamento entre países. Todos os povos são chamados a uma convivência pacífica, seja em relação a liberdade religiosa, seja em relação a cultura. A Igreja como portadora da paz é chamada a exercer o seu papel entre as nações para que a vida humana seja dignamente respeitada e não lhe falte nenhuma assistência. Nenhum ser humano pode ser obrigado a nada, pois, do contrário, viola-se o direito primordial dado por Deus: a liberdade.

Também vemos com grande dor e lamentação as perseguições na terra onde os anjos cantaram: “Super terram pax hominibus bonae voluntatis” (Lc 2, 14). Que a paz possa reinar também neste local, onde tantos cristãos são violentados por sua fé. Rezemos também por eles, para que possam sentir a força revigoradora do Rei da Paz e pelos governantes, para que cada vez mais sintam-se decididos a caminharem pela senda da paz.

“Educar os jovens para a Justiça e a Paz”, este é o tema da Mensagem para este dia escolhido pelo nosso Santo Padre Bento XVI. Educar os jovens na cultura moderna é um grande desafio. A Igreja coloca-se ao lado das famílias para colaborar nesta árdua missão, para que possam, assim, formar pessoas para um futuro melhor, comprometidas com a sincera busca da pacificação mundial, mas também para que esta paz seja sinal de uma abertura a Cristo, Senhor dos povos e da Paz. Que o desânimo não vos deixe desanimar! Que as dificuldades não vos abatam! Revigorai-vos sempre nos Sacramentos que a Igreja vos oferece, compreendendo, assim, que somente no Senhor está a verdadeira força e só dele havereis de haurir decisões certas para um futuro que, não poucas vezes, é incerto.

E neste primeiro dia de um novo ano, queremos pedir: Senhor concede a Vossa Paz. Afaste-nos do obscurantismo de nós mesmos. Dá vigor a Igreja para que continue a portar a vossa paz ao mundo dilacerado por discórdias e guerras. Instaura entre nós o Reino de vossa Justiça. Manifestai o poder de Vosso braço e quebrai os grilhões de todas as coisas que nos acorrentam, nos impedindo de caminhar até Vós. Tocai os corações dos poderosos, que oprimem aos desfavorecidos, tratando-os como produtos comerciais. Maria, Mãe de Deus e nossa, ensinais-nos a nunca nos esquecermos de sempre elevarmos os olhos ao Pai para agradecermos pelos benefícios que Ele nos concede e libertai-nos do indiferentismo e da comodidade.