São Pedro e São Paulo: modelos de verdadeiro e real apostolado!

Desde as épocas remontas a Igreja celebra neste mesmo dia, 29 de junho, a Solenidade dos Santos Apóstolos Pedro e Paulo, colunas da Igreja que, por amor a Cristo, fizeram doação de sua própria vida em favor da expansão do Evangelho pelo mundo.

Também constitui o momento de renovarmos a nossa fé na Igreja Una, Santa, Católica e Apostólica, e reafirmarmos nossa comunhão ao Santo Padre Bento XVI, cujo dia hoje celebramos, de modo particular nesta Solenidade que comemoramos o seu 60º aniversário de ordenação sacerdotal. Rendamos graças a Deus por sua vida de testemunho e serviço à Igreja e peçamos que, por muitos anos, ocupe a Cátedra de Pedro, com o seu belíssimo exemplo de apostolado e que possa percorrer o mundo anunciando o Evangelho com o espírito de São Paulo.

Hoje a Igreja retorna às suas origens e contempla estas tão excelsas personagens, procurando inserir seus exemplos em nossos dias tão conturbados por ideologias que, apesar de parecerem convincentes, boas e fáceis, se contrapõem ao Evangelho. Perturbados estão os nossos corações como outrora esteve o coração de São Pedro, mas ele não desanimou e, mesmo no cárcere, continuou a render louvor a Deus com toda a Igreja. Uma noite lhe apareceu o anjo do Senhor que lhe disse: “Levanta-te depressa!” (At 12, 7). E o anjo o libertou da cadeia sem que fosse visto pelos guardas. Maravilhosos prodígios realiza o Senhor por nós!. Realiza-o primeiramente em favor de Pedro e depois em favor de toda a Igreja.

A posição de estar em pé é muito significativa, como foi dito por nós em uma das reflexões passadas. Está em pé aquele que está pronto a servir, que é humilde, que caminha. Pedro levantou-se porque sentiu que a sua missão não findava ali, mas ainda deveria continuar, ele deveria ser um sinal luminoso para toda a Igreja que estava sacudida pelas perseguições e violentada pelos vários ventos de doutrinas. Hoje, como fizera o anjo a Pedro, ele quebra as correntes do pecado que aprisionam aos membros da Igreja, e também a estes encoraja para que possam erguer-se. Assim tomamos consciência de que, apesar das debilidades dos homens de hoje, que estão inseridos no Corpo místico de Cristo, a Igreja nunca poderá estar “presa” pelas investidas de Satanás que propõe derrubá-la.

Levante, ó Igreja! Aquilo que anuncias não é utópico, não está restrito a um passado distante. Aquilo que anuncias é o próprio Cristo, Senhor da vida, que impera sobre a morte e sobre todas as investidas malignas. Somos também constituídos de uma liberdade. Esta liberdade, porém, deve ser usada para nos aproximar de Deus e não para nos afastar d’Ele. São Pedro nos diz que a pior doença das almas é a ignorância. Mas que ignorância é esta? Como ela pode ser definida? Esta ignorância é a ausência de Deus da vida do homem, é o não conhecer a Deus. Só aquele que conhece a Deus possui a verdadeira sabedoria, e isto porque só em Deus reside a verdadeira sabedoria. Como dirá a Escritura: “O temor ao Senhor eis a sabedoria. Fugir do mal eis a inteligência” ( 28,28).Quem não O conhece não tem a vida eterna prometida por Jesus e destinada a todos aqueles que nele põem a sua confiança, exceto se esse não conhecer seja dado por uma falta de evangelização que, infelizmente, ainda não chegou a todo o mundo.

E é evidente que há duas formas de conhecer a Cristo: a primeira é a forma “superficial”, vista da multidão. Um olhar passageiro e distante, que é extrínseco e, por isso, incapaz de causar uma transformação no modo de agir de cada um. A segunda forma é mais intensa, é o olhar que modifica o íntimo, o olhar dos discípulos. Puderam compartilhar deste olhar a pecadora arrependida, Zaqueu, o ladrão que na cruz clama por perdão, o centurião que vai a Jesus para pedir por seu filho e o cobrador de impostos Levi, mas também tantos e tantos que foram modificados pelo olhar intrínseco dos que puderam conhecer a Cristo, e conhecer no sentido profundo e verdadeiro da palavra. Aquela pequena minoria é chamada a diferenciar-se de toda a multidão. E é verdadeiramente indiscutível e visível que os cristãos devem voltar às origens, devem apresentar-se ao mundo primeiro por suas ações, pelo testemunho que deve acompanhar a atividade eclesial.

Simão Pedro foi outro que pôde conhecer verdadeiramente a Cristo. E em dois momentos principais podemos ver esta manifestação: Em Cesaréia de Filipe e no mar de Tiberíades. Antes da sua morte Jesus institui Pedro como chefe da Sua Igreja; depois da morte Jesus confia a Pedro o pastoreio das ovelhas e confirma a missão que já lhe fora outorgada, pois só depois de Sua morte Jesus realmente solidifica as bases da sua Igreja, uma vez que fora comprada com o Seu sangue (cf. At 20, 28).

Gostaria de meditar sobre este primeiro momento que hoje nos narra o Evangelho. Pedro aqui é posto por Jesus como sinal de sustento para a Igreja e na frase dirigida a Jesus, após tê-los indagado sobre sua identidade, encontramos todo o lugar onde também está alicerçada a nossa profissão de fé: “Tu es Christus, Filius Dei vivi – Tu és Cristo, Filho de Deus vivo” (Mt 16, 16). E para nós, quem é Jesus Cristo? O que Ele significa para o nosso mundo que vive distante de Deus? O que Pedro professara é o ponto de discórdia para o mundo. Não se quer admitir que Jesus seja o Filho de Deus, e que Ele possa reivindicar para Si a adoração de Deus. Não se admite que Ele seja a salvação e um sinal de esperança para o mundo. Não se admite que Ele seja o ponto de partida e de chegada da humanidade.

A Pedro que iria negá-lo três vezes – e Jesus o sabia – Ele confia o mandato de governar a Igreja, de ser o primeiro Papa. Eis aqui um encontro misericordioso de Jesus com Pedro. Ele olha para Pedro, Pedro conhecia-o e sente este olhar quando se encontram em Tiberíades. “Tu és Pedro”. És Rocha, na qual o Senhor edifica a Sua Igreja, que é toda Santa. Mas quantas vezes desfiguramos a Igreja porque somos maculados pelo pecado?! Quantas vezes não nos submetemos a Deus para submetermo-nos ao mundo, porque parece difícil trilhar os caminhos da santidade? Pedro deixou o medo falar mais alto do que sua fé. Conosco, porém, o exemplo de Pedro e de tantos mártires deve nos precaver dessas tentações. Devemos temer o medo. Devemos manifestar ao mundo que o derramamento do sangue dos mártires não invoca divisão e de guerra, mas amor e uma verdadeira esperança. Ele relembra este sinal de união entre o céu e a terra, do qual Pedro é detentor das chaves.

Outro que experimenta o olhar misericordioso do Senhor é São Paulo. Ainda jovem Paulo via o olhar piedoso dos muitos cristãos que ele perseguiu, agora ele olha piedosamente para Jesus e sabe que tudo o que foi feito nele será consumado. Por isso, consciente do fim de sua missão, Paulo exclama:  “Combati o bom combate, completei a corrida, guardei a fé” (2 Tm 4, 7). Guarda a fé aquele que antes no-la havia dado ao mundo, e a guarda não por viver de forma egoísta, mas porque vivenciou tudo aquilo que havia propagado, porque o que anunciou ao mundo, os sofrimentos que lista aos cristãos, ele já havia sentido em si.

São Paulo é para a Igreja espelho de sua ação missionária. A Igreja não é uma “porção” do povo que segue a uma ideologia, seja por atração ou por um bem estar, ao contrário: é o reflexo da viva e constante atuação de Cristo no mundo. É sustentada pelo Espírito Santo e a sua essência é a santidade! O apóstolo faz dessa atuação o sentido da sua vida. Na sua conversão ele encontra-se com o olhar misericordioso do Senhor, a partir daí sua vida já não era-lhe característica íntima mas pertencia a todos, sobretudo a Cristo, por isso exclama com tanta convicção: “É Cristo que vive em mim” (Gl 2, 20). Esta frase expressa uma doação total nossa a Cristo; um doar-se sem reservas, sem esperar nada em benefício próprio. Ser cristão é amar e saber que muitas vezes seremos perseguidos e maltratados, e ainda assim continuaremos a amar. Isso Paulo fez e isso ele ensina-nos a fazermos.

Queremos rezar agora. Senhor, vos pedimos a graça de perseverarmos na unidade com o Sucessor de São Pedro, e o Colégio Apostólico. Não deixeis que a vossa Igreja seja maculada por divisões, mas que possa mostrar ao mundo que somente se estiver em Vós ela poderá permanecer unida em oração, como se encontraram a Santíssima Virgem Maria e os Apóstolos no Cenáculo. E erguemos uma prece incessante de agradecimento por estes modelos de vida que hoje celebramos, tão exemplares, pedindo “que a Igreja siga sempre o ensinamento dos Apóstolos dos quais recebeu o primeiro anúncio da fé” (Oração da Coleta).

Configurados a Cristo na Eucaristia

Caro cibus, sanguis potus/ manet tamen Christus totus sub utraque specie – O pão é a carne e o vinho é o sangue; todavia debaixo de cada uma das espécies Cristo está totalmente”. Eis como cantamos hoje na Sequência celebrando a Solenidade de Corpus Christi. A Igreja nos chama a adorar piedosamente a Eucaristia, que nos fortalece em nossa caminhada. Hoje somos convidados a olharmos para aquele dia em que Nosso Senhor, somente por amor, doa seu Corpo e Sangue pela nossa salvação. A celebração que hoje realizamos nos põe diante de um gesto presente, mas também escatológico. Primeiro reunimo-nos em volta do Senhor, comemos do seu corpo e bebemos do seu sangue; segundo é o gesto do caminhar, isto é, a procissão que tradicionalmente realizamos nos ensina que todos somos peregrinos para o Pai, que caminhamos para um encontro definitivo com Jesus Cristo e, por conseguinte, para a eterna felicidade; e em terceiro o gesto definitivo que é ajoelhar-se e adorar o Senhor, reconhecer a sua onipotência e agradecê-lo por se nos dar em alimento.

Neste dia a Igreja revive a Quinta-feira Santa, agora já à luz do mistério grandioso da Ressurreição. Na primeira leitura, retirada do Deuteronômio, faz-se memória da peregrinação do povo hebreu por quarenta anos, rumo a terra prometida, e lá se diz: “Ele te humilhou, fazendo-te passar fome e alimentando-te com o maná que nem tu nem teus pais conhecíeis, para te mostrar que nem só de pão vive o homem mas de toda a palavra que sai da boca do Senhor” (Dt 8, 3). Estas palavras são também dirigidas a nós, que fazemos parte de uma geração não mais confiante somente na palavra do Senhor, em sua paternal bondade e solicitude, mas, muito mais, por ela romper neste estreito vínculo com Deus e passar a gerar “falsas palavras”, que conseguem persuadir a tantos. Aquele maná, dado outrora aos hebreus, ganha mais tarde um novo significado, alcança, por assim dizer, a “plenitude” do termo em Jesus Cristo, pão eterno e verdadeiro dado a todos os homens. E por meio deste “dar-se” Ele plenifica e perpetua a sua estada em nosso meio.

Desta forma é rompida e suprimida a ausência deste espaço de tempo que nos separam de Cristo. Com essa perpétua estadia conosco Ele não retira-se do mundo, não está invisível, ausente, obscurecido pelo tempo. Também para o homem hodierno esta é uma esperança: Ainda que abandonemos a Deus Ele nunca nos abandonará. Ainda que d’Ele nos afastemos Ele sempre estará ao nosso lado! Por isso, tenhamos confiança! Quem confia no Senhor nunca será desamparado!

“Este é o pão que desceu do céu. Não é como aquele que os vossos pais comeram. Eles morreram. Aquele que come este pão viverá para sempre” (Jo 6, 58). Não basta comermos o Corpo do Senhor e permanecermos indiferentes à sua graça salvífica, é preciso aceitarmos ser transformados por Ele. É preciso carregar em nós Aquele que recebemos e demonstrá-Lo ao mundo.

Sobre este vínculo de unidade com o Senhor São Paulo nos diz na segunda leitura: “O cálice da bênção, o cálice que abençoamos, não é comunhão com o sangue de Cristo? E o pão que partimos, não é comunhão com o corpo de Cristo? Porque há um só pão, nós todos somos um só corpo, pois todos participamos desse único pão” (cf. 1 Cor 10, 16-17). Este é, sobretudo, um dos principais aspectos da Eucaristia: congregar a todos os povos diante de um único Senhor. Gostaria de dizer primeiramente que este aspecto é sinônimo de reconhecê-lo como verdadeiro Deus, de n’Ele encontrar a plena felicidade e o fundamento da esperança e do amor; caso contrário não é Deus. Quem se curva diante do dinheiro e dos prazeres terrenos fazendo-os centro de suas vida, não pode curvar-se diante de Deus. Depois: O verdadeiro Deus une a todos em seu amor, acolhe aos pecadores e ampara aos fracos, não faz distinção de ideias políticas, de nacionalidade, de profissão, mas une os homens em um único corpo: a Igreja, firmada em um único alicerce: o amor de Deus, partilhando um único Pão: Cristo.

Ademais, esta Solenidade é um momento sempre propício para nos alertar para a crescente tentação ao individualismo que sempre vem ganhando espaço na sociedade, e mesmo dentro da Igreja; esse constitui um desvio na estrada a caminho do Mestre, além de ser totalmente contrário ao que Ele ensinara. A Eucaristia é unidade, fraternidade, amor. Outro risco que corre-se, porém, é de generalizar tais palavras a ponto de chegar-se ao extremo de relacionar a Igreja com brigas políticas e sociais. “A Igreja, recordara muitas vezes o Beato João Paulo II, não é uma instituição democrática”, mas é “um projeto que nasceu no Coração do Pai” (Catecismo da Igreja Católica §759). Mediante isso, as vontades humanas não contam e não prevalecem, mas somente a divina.

São Leão Magno recorda que “a nossa participação no corpo e no sangue de Cristo não tende para se tornar senão o que recebemos” (Sermo 12, De Passione 3, 7, pl 54). Eis que recebendo Cristo, Pão vivo, também somos chamados a configurar-nos a Ele, a sermos testemunhas do Seu Reino hoje. Como bem dissera o Sumo Pontífice Bento XVI: “Todos podem se abrir à ação de Deus, ao seu amor; com o nosso testemunho evangélico, nós cristãos devemos ser uma mensagem viva, aliás, em muitos casos somos o único Evangelho que os homens de hoje ainda leem” (Homilia na Quarta-feira de Cinzas, 2011). Demonstrai, cristãos, ao mundo, que vós sois Evangelhos vivos e testemunhas verdadeiras! Que sejamos reconhecidos, antes de tudo, pelas nossas ações, imitadoras de Cristo, ainda que por vezes sejam falhas, mas que sejam imitadoras. Portemos a esperança ao mundo! Mas, mais ainda, portemos o mundo à Esperança verdadeira e perpétua.

“A Eucaristia é o alimento destinado àqueles que no Baptismo foram libertados da escravidão e se tornaram filhos; é o alimento que ampara no longo caminho do êxodo através do deserto da existência humana. Como o maná para o povo de Israel, assim para cada geração cristã a Eucaristia é alimento indispensável que ampara enquanto atravessa o deserto deste mundo, ressequido por sistemas ideológicos e econômicos que não promovem a vida, mas ao contrário a mortificam; um mundo no qual domina a lógica do poder e do ter em vez da do serviço e do amor; um mundo no qual com frequência triunfa a cultura da violência e da morte. Mas Jesus vem ao nosso encontro e infunde-nos segurança: Ele mesmo é ‘o pão da vida’ (Jo 6, 35.48)” (Bento XVI, Homilia de Corpus Christi 2007).

“Eu sou o pão vivo descido do céu. Quem comer deste pão viverá eternamente. E o pão que eu darei é a minha carne dada para a vida do mundo” (Jo 10, 21). Para muitos que ali se encontravam foram “duras” tais palavras. Deveras, a limitação da inteligência humana faz com que seja incapaz de entender os insondáveis mistérios da salvação. Para nós, porém, estas palavras portam esperança e vida, destinadas a toda a sociedade e confiada a todos os homens.

Invoquemos agora a Virgem Maria, “Mulher Eucarística”, como dissera o Papa João Paulo II, e peçamos que Ela seja nossa intercessora junto a Deus. Peçamos também que todo o mundo possa abrir-se a Cristo Eucarístico, que este possa produzir em nós os seus efeitos redentores. “Alimentai-nos e defendei-nos e fazei que mereçamos fruir da vossa glória na Terra dos vivos. Vós que tudo conheceis e tudo podeis fazer, e nos alimentais aqui, na Terra, da mortalidade, admiti-nos, Senhor, lá no Céu, à vossa mesa e dai-nos parte na herança e na companhia dos que moram na cidade santa. Amém. Aleluia” (Sequencia).

A Santíssima Trindade: Fonte de todo o Bem

Neste Domingo, terminado o Tempo Pascal e de volta ao Tempo Comum, celebramos a Solenidade da Santíssima Trindade. Manifesta-se, desta forma, a presença salvífica desta no mundo e, ao mesmo tempo, o consolo que traz à Igreja, e a nós seus membros, nas tribulações pelas quais passamos e haveremos de passar.

Na figura da Trindade contemplamos o perfeito exemplo de comunhão, uma demonstração de que somente quando se age em conjunto, com Deus e consigo mesmo, os homens podem alcançar a transcendência que almejam. A Comunidade perfeita nos impulsiona nesta busca e nos mostra que Deus não está distante, mas age por nós, conosco e em nós; e por meio deste “agir” os homens tornam-se verdadeiros imitadores de Cristo.

Na primeira leitura, hoje retirada do livro do Êxodo (cf. 34, 4b-6.8-90), Moisés clama ao Senhor: “Senhor, Senhor! Deus misericordioso e clemente, vagaroso na cólera, cheio de bondade e de fidelidade”. Este é o Deus que adoramos! Não é um Deus colérico, mas amoroso, que desceu das nuvens para comunicar-se conosco, que não escondeu sua face de misericórdia, mas mostrou-a ao mundo; um Deus que não permaneceu inacessível nas alturas, satisfeito com sua autossuficiência, mas quis estabelecer um diálogo conosco, quis fazer-se um de nós para que pudéssemos conhecer este outro nome que damo-lo: Amor. Deus é amor! O amor, sabemos, não conhece a ira e a desunião, não conhece o ser “inacessível”, mas está ao lado, fortalecendo, não deixando que desanimemos. O amor é reflexo da Trindade, que primeiro nos amou, e da qual não pode vir o mal, ele não é interesseiro e sim gratuito. Por isso, santo Agostinho dirá: “Vides Trinitatem, si charitatem vides – Vês a Trindade, se vês a Caridade” (De Trinitatem, VIII, 8, 12).

Hoje vê-se que os homens não mais buscam contemplar o rosto de Deus, não desejam serem reflexos de Deus, mas de si próprios. E é por causa desta divulgação egocêntrica da auto-imagem que a sociedade está desnorteada, perdendo a direção que deve seguir, perdendo Deus de vista. Se o caminho do homem não for Deus ele jamais poderá encontrar a felicidade eterna e jamais poderá ter esperanças. Se o caminho do homem não for Deus sua vida será em vão e os progressos, ditos em nome de um mundo melhor, serão armas de destruição. A Sagrada Escritura conhece apenas um Deus, o Deus de todos os povos, de Abraão de Isaac e de Jacó (cf. Ex 3,1). Mas quando o homem não caminha segundo as leis de Deus ele acaba por criar outros deuses, como fora feito na Mitologia grega. Deveras, lá encontramos deuses que agiam de forma correta ou ruim, que matavam, que torturavam…, etc. Nosso Deus, porém, é um Deus que ama, que acolhe, que perdoa, que é de todos e, acima de tudo, não é uma estória mas uma Pessoa que encarna-se e que passa a ser um de nós em Cristo, Aquele que é “imagem do Deus invisível” (Cl 1, 15). E isto Jesus diz no Evangelho: “Tanto Deus amou o mundo, que deu o seu Filho unigênito, para que não morra todo o que nele crer, mas tenha a vida eterna” (Jo 3,16).

Deus age na história! Esta ação singular não é individual, mas comunitária, que abrange todas as três Pessoas divinas: “O Pai cria todas as coisas por meio do Verbo, no Espírito Santo” (Santo Atanásio, Ep. 1 ad Serapionem, 28-30). Assim, a Teologia nos explica que ao falarmos de Deus não nos referimos apenas ao Pai, mas também ao Filho e ao Espírito Santo “que procede do Pai e do Filho” (Símbolo niceno-constantinopolitano).

Ele está próximo a nós! Para isso, no entanto, é necessário que nos abramos à sua graça redentora e salvífica; que deixemo-nos tocar por seu amor e que sejamos um com Ele.

É nesta “graça” que São Paulo reúne a comunidade de Corinto, é nesta graça que nós nos reunimos em cada celebração eucarística, quando o celebrante profere: “A graça do Senhor Jesus Cristo, o amor de Deus e a comunhão do Espírito Santo estejam com todos vós” (2Cor 13, 13). É precisamente desta “Graça” que os povos sentem falta. E esta falta não é causada por uma ausência da graça no mundo, mas por uma ausência do mundo na graça. Nossa história deve estar firmada no nome de Deus. Só Deus pode solidificar as bases trêmulas de uma humanidade desumana, que dEle se afasta, que já não mais O faz centro, mas centraliza seus gostos. E esse perigo bate à nossa porta. Onde Deus deixa de ser o centro os caprichos e futilidades, a violência e a falta de fé, sufocam o homem e o atiram-no para um abismo criado por ele mesmo. A verdadeira autonomia do homem não está no achar-se superior a Deus, mas no inclinar-se perante Ele, no reconhecer a sua “essência” de filho e no estar aberto ao relacionamento com os irmãos.

Já na Sagrada Escritura vemos que Jesus revela aos discípulos o mistério da Trindade, que jamais pode ser compreendido pelos homens. Quando Filipe pede que Jesus mostrasse-lhes o Pai Ele responde: “A tanto tempo estou convosco e não me conheceis Filipe! Quem me viu, viu também o Pai. Não credes que estou no Pai, e que o Pai está em mim? As palavras que vos digo não as digo de mim mesmo; mas o Pai, que permanece em mim, é que realiza as suas próprias obras” (Jo 14, 9-10). Desta forma fica clara a pessoa de cada um, a essência igual de todos e a intrínseca união existente entre eles. São um! O pedido do discípulo não expressa a sua ignorância, mas a gritante necessidade que o mundo tem de ouvir essa resposta de Jesus.

Esse grito ecoa em todos os cantos da terra, mostrando que Igreja deve ser “espelho” da Trindade. “Numa sociedade tensa entre globalização e individualismo, a Igreja é chamada a oferecer o testemunho da koinonia, da comunhão. Esta realidade não vem ‘de baixo’, mas é um mistério que, por assim dizer, tem as ‘raízes no céu’: precisamente no Deus Uno e Trino. Ele, em si mesmo, é o eterno diálogo de amor que Jesus Cristo nos comunicou, entrando no tecido da humanidade e da história para levar à plenitude” (Homilia do Papa Bento XVI, 18 de maio de 2008).

Que Maria, Filha do Pai, Mãe do Filho e Esposa do Espírito Santo, interceda constantemente pela Igreja, para que seja sinal de unidade entre os povos

O Espírito Santo: vivificador da Igreja

Neste domingo, encerrando o Tempo Pascal, celebramos a solenidade de Pentecostes. Hoje o Espírito Santo, maior de todos os dons, é dado a Igreja. Hoje a Igreja primitiva nasce do alto e encoraja os Apóstolos, reunidos com Maria Santíssima no Cenáculo. Hoje manifesta-se a pluralidade e, ao mesmo tempo, a universalidade da Igreja em todos os cantos da terra, tendo como cabeça visível Pedro, e hoje o Sumo Pontífice.

Na primeira leitura – ouvimo-la dos Atos dos Apóstolos – é lido: “Quando chegou o dia de Pentecostes, os discípulos estavam todos reunidos no mesmo lugar. De repente, veio do céu um barulho como se fosse uma forte ventania, que encheu a casa onde eles se encontravam… Moravam em Jerusalém judeus devotos, de todas as nações do mundo. Quando ouviram o barulho, juntou-se a multidão, e todos ficaram confusos, pois cada um ouvia os discípulos falar em sua própria língua” (At 2,1-6).

O dia de Pentecostes é um novo marco na história da salvação. Deus santifica a sua Igreja com o Espírito que a todos fortalece e alumia. Não mais as trevas! Não mais o erro! Não mais a violência e a laceração! Somente haverá de reinar agora a luz, a coragem, a sabedoria, o amor. E de onde emanam estes dons que nos afastam de uma realidade contrária a Cristo? De onde emanam estes dons que nos fazem brilhar como luzeiros para o mundo? Emanam daquele que dá-nos o conhecimento de toda a Verdade, isto é, do Paráclito (cf. Jo 16,13), só Ele e só nEle os homens podem encontrar a finalidade de sua existência e o sentido de suas vidas. Só Ele pode nortear os caminhos da humanidade sem que a mesma caia na perdição e esqueça o objetivo primeiro para que foi criada: manifestar a bondade do Criador e louvá-Lo pelos seus feitos.

Com esta leitura vemos a confirmação do Senhor para a atuação constante da Igreja na história da humanidade, e desta forma ela cumpre sua missão de fazer chegar a todos os povos o anúncio salvífico da ação de Cristo na história e da Sua Ressurreição. Do Cristo ressuscitado, e agora ao lado do Pai, emana uma força inédita e vivificante, uma força que impulsiona a Igreja a ser testemunha e a reconciliar os homens com Deus; uma força que é capaz de fazer com que os homens doem sua própria vida em confirmação àquilo que pregaram; acalma o que está turvo, purifica o que está impuro, acolhe o que está disperso; uma força que procede do Pai e do Filho; uma força que reúne o que está dividido.

Mas, cabe-nos perguntar, que unidade é essa? Como ela realiza-se? Deveras, esta unidade não pode jamais ser comparada a unidade de Estados e muito menos ela concretizar-se-á para fins políticos. Não é uma unidade que é resultante deste mundo finito, mas poderíamos dizer que é transcendente. Ela transcende as barreiras do tempo e dos lugares; sobrepõe-se a todos os confins políticos e a todos é dirigida.

Nos sermões de um anônimo autor africano encontramos uma colocação que reflete precisamente a missão do Espírito: “O amor haveria de reunir na Igreja de Deus todos os povos da terra. E como naquela ocasião um só homem, recebendo o Espírito Santo, podia falar em todas as línguas, também agora, uma só Igreja, reunida pelo Espírito Santo, se exprime em todas as línguas. Se por acaso alguém nos disser: ‘Recebeste o Espírito Santo; por que não falas em todas as línguas?` devemos responder: ‘Eu falo em todas as línguas. Porque sou membro do Corpo de Cristo, isto é, da sua Igreja, que se exprime em todas as línguas. Que outra coisa quis Deus significar pela presença do Espírito Santo, a não ser que sua Igreja haveria de falar em todas as línguas?” (Sermo 8,1-3: PL 65,743-744).

O Espírito Santo não conhece fronteiras! O Espírito Santo possui apenas uma linguagem: O amor; e é no amor que Ele reúne a todos. A primeira leitura, portanto, não manifesta somente a vinda do Paráclito, mas manifesta também que Ele fundou sua Igreja sobre as bases do amor, e fez deste a sua centralidade e o seu idioma. Assim, a Igreja é o contrário de Babel, quando todos os povos falavam uma só língua. Na Igreja falam-se várias línguas – como outrora fora em Pentecostes – mas todos podem entender como se fosse a sua própria língua. Unidade na diversidade, eis o retrato da Igreja.

Lucas observa que o Espírito veio sobre os Apóstolos e Maria, ou seja, veio sobre toda a comunidade ali reunida. Não veio apenas para Pedro, João ou Maria, mas para todos. É também possível vermos que os apóstolos pregaram a todos os povos que se encontravam em Jerusalém: Partos, medos, elamitas, mesopotâmicos, capadócios, pontos e asiáticos, frígios e panfílios, egípcios, líbios, romanos, judeus e prosélitos, cretenses e árabes. O evangelho é para todos! A salvação é para todos! Tantos povos demonstram que a Igreja é uma vasta comunidade e aqueles que nela encontram-se devem demonstrar o espírito de fraternidade, comum a todo cristão. Os discípulos recebem a visita de Jesus de forma inusitada. Com as portas fechadas Ele entra, e estavam as portas fechadas por medo dos judeus. (cf. Jo 20, 19). O Espírito mostra aos apóstolos que eles deveriam enfrentar o vasto campo de missão. Não poderiam eles reter o Evangelho a si e colocarem-se em atitude cômoda. Deveriam vencer o medo e não serem vencidos por ele. Ao doar o Espírito Santo o Senhor abre as portas ao mundo, que outrora foram fechadas. Como Sócrates pensava que o filósofo é alguém que incomoda também o cristão deve incomodar, um incômodo que toque a outros, que converta, que seja sinal concreto de que o que realmente pregamos é o evangelho. A unidade e a coragem tornam-se, então, sinais da presença do Espírito Santo, e quem se fecha em seu mundo, ignorando as necessidades do próximo, demonstra que afastou-se dEle.

O vento impetuoso enche a casa onde se encontravam os discípulos. Hoje, também nós, invocamos este mesmo preenchimento para a Igreja e para nosso interior. Que o Espírito, que é sempre novo, possa renovar o ar que respiramos, revigorando-nos e dando-nos um renovado espírito de caridade. Que a Igreja seja revigorada pelo sopro do vento que a reanima e a faz capaz de continuar testemunhando o Evangelho mediante a hodierna sociedade. Que possamos respirar novos ares em tempos tão conturbados, onde a Igreja é lançada de um lado a outro em alto mar.

Nesta perspectiva de receber novos ares, Jesus sopra sobre os apóstolos o ar da vida que dele procede: “Recebei o Espírito Santo” (Jo 20, 22). Vem Ele acompanhado da paz, não qualquer paz. Para que pudessem conceder a paz aos outros, primeiro os discípulos receberam-na de Cristo, pois esta paz é aquela que só Cristo, por meio do Seu Espírito, pode conceder. Uma paz que também é transcendente, que é dom para a vida eterna, comprada com o Seu sangue. A Igreja é a primeira a fazer com que essa paz chegue a todos os povos, e ela nunca pode esquivar-se desta sua missão.

Hoje queremos invocar a intercessão de Maria Santíssima, pois se “não há Igreja sem Pentecostes…  não há Pentecostes sem a Virgem Maria” (Bento XVI, Regina Coeli, 23 de maio de 2010), Façamos da Igreja um novo cenáculo, repetindo o incessante clamor: “Domine, emitte spiritum tuum et renova faciem terrae – Enviai o vosso Espírito Senhor, e renovai a face da terra”.

Elevados com Cristo a uma vida nova

“Ides receber uma força, a do Espírito Santo, que descerá sobre vós e sereis minhas testemunhas em Jerusalém, em toda a Judéia, na Samaria e até aos confins do mundo” (Act 1, 8). Com estas palavras, na primeira leitura, o Senhor Jesus despede os discípulos antes de ascender gloriosamente aos céus. Imediatamente acrescenta São Lucas que “se elevou à vista deles e uma nuvem subtraiu-o a seus olhos” (Act 1, 9).

Celebramos hoje a Solenidade da Ascensão do Senhor. Este é o último ato terreno de Jesus após sua ressurreição. Ele é elevado ao alto pelo poder de Deus e desta forma é introduzido no espaço da proximidade divina. Mas estas palavras de Cristo são também uma exortação veemente da nossa responsabilidade cristã que, com a vicissitude dos tempos, não é menos importante. Analisemos a nossa sociedade, por exemplo, tomada por ideologias anti-cristãs, por leis que tendem a afastar os homens de Deus e a criar isolamentos, sobretudo com a falta de comunhão entre os povos. Mediante este cenário as palavras de Jesus ganham maior intensidade e nos mostram que ser cristão não é apenas ser batizado e dizer-se um, mas é, no batismo, dar testemunho do que propôs-se a viver.

Agora, caberia perguntar-nos o que transmite-nos hoje esta Solenidade? Qual a mensagem que ela vem trazer ao nosso mundo frenético e sem tempo para Deus? Esta mensagem é sempre nova e quer introduzir-nos também neste “novo”. “Na Ascensão de Cristo ao Céu, o ser humano entra numa nova intimidade com Deus, sem precedentes. O homem encontra agora, e para sempre, espaço em Deus. O ‘Céu’ não é um lugar sobre as estrelas, mais uma coisa muito mais ousada e sublime: é o próprio Cristo, a Pessoa divina que acolhe plenamente e para sempre a humanidade, Aquele no qual Deus e o homem estão inseparavelmente unidos para sempre” (Papa Bento XVI, Homilia em Cassino, 24 de maio de 2009).

Daí cria-se a certeza de que, se outrora descera o Senhor à humanidade para humanizar-se, agora, com sua subida, Ele a santifica e, desta forma, rompe o abismo máximo que afastava o homem de Deus. Sobe o Senhor aos céus, e com Ele é necessário que subam nossas almas, purificadas de todo o pecado pelo seu Sangue, e fortalecidas pelo mistério salvífico do Ressuscitado, que vence a morte e dá aos homens uma vida fortalecida pelo Seu Amor, que, deveras, só deseja em troca o nosso amor.

Na segunda leitura, o autor sagrado escreve: Ele manifestou sua força em Cristo, quando o ressuscitou dos mortos e o fez sentar-se à sua direita nos céus, bem acima de toda a autoridade, poder, potência, soberania, ou qualquer título que se possa mencionar, não somente neste mundo, mas ainda no mundo futuro. Sim, ele pôs tudo sob seus pés e fez dele, que está acima de tudo, a Cabeça da Igreja, que é o seu corpo, a plenitude daquele que possui a plenitude universal” (Ef 1, 20-23).

Deus sujeita tudo a Cristo; Ele submete tudo ao Seu Poder. Mas esta submissão não é autoritária e tirana, que priva o homem de sua liberdade. Ela está muito acima disso. É a submissão do amor e da liberdade, do respeito e da tolerância. Por isso, digo: quem teme a Cristo por medo do inferno e não por amor, não o teme verdadeiramente, mas vive em uma constante incerteza. É a certeza de que Cristo está conosco que fortalece a nossa fé e nos faz amá-lo cada dia mais. “Cristo está no céu, mas também está conosco; e nós, permanecendo na Terra, estamos também com ele. Por sua divindade, por seu poder e por seu amor ele está conosco; nós, embora não possamos realizar isso pela divindade, como ele, ao menos podemos realizar pelo amor que temos para com ele” (Sermo de Ascensione Domini, Mai 98,1-2; PLS 2,494-495).

Uma vez que Cristo sobe à glória do Pai, a Igreja também encontra na promessa do Senhor este mesmo destino: contemplar a face de Deus, e ser elevada à Sua glória. Ela não anuncia um Deus desconhecido e distante, mas anuncia um Deus próximo, feito homem, que quis tornar-se nosso amigo e quis padecer para redimir-nos dos nossos pecados; um Deus que desce aos abismos humanos, à miséria humana, e fazendo-o torna-nos capazes de podermos chamar a Deus de Pai.

O evangelho narra que “quando viram Jesus, prostraram-se diante dele. Ainda assim alguns duvidaram” (Mt 28, 17). A dúvida sempre fez-se presente nos homens, sobretudo pela sua capacidade de incredulidade. Também naquele momento alguns duvidaram que Jesus realmente estivesse ali, que fosse Ele. No entanto, Ele não exclui a esses, não os põe à margem dos escolhidos, mas os confirma e os faz missionários: “Ide e fazei discípulos meus todos os povos, batizando-os em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo, e ensinando-os a observar tudo o que vos ordenei! Eis que estarei convosco todos os dias, até o fim do mundo” (Mt 28, 19-20).

Esta é a promessa confortadora que o Senhor nos dá: Estarei convosco. E para aqueles que duvidaram esta é a maior prova da presença do Senhor. “Pode o mundo vos abandonar e perseguir, deixando-os sozinhos, mas Eu estarei ao vosso lado”, nos diz Cristo todos os dias. E aí verão os incrédulos que, aquele que os falava, não era um fantasma, mas o Senhor que torna-se sustento para os caminhos do mundo que temos que enfrentar.

Que Maria, Mãe de Deus e nossa, interceda em nossa caminhada para que jamais possamos desanimar.