O Cristo sem Cruz, o Cristo voador, o Cristo sem Cruz nas Igrejas “nova moda”.

Pe. Juvan Celestino da Silva

Devemos de antemão nos lembrar que o Mistério de Cristo é inseparável do mistério da Cruz. Após Pedro responder que Jesus é o Messias (Mc 8,29); e para este título não se limitar a um triunfalismo imediato e próprio, Jesus acrescenta:

“O Filho do homem deve sofrer muito, ser rejeitado pelos anciãos, pelos chefes dos sacerdotes e pelos escribas, ser morte e depois de três dias ressuscitar” (Mc 8,320)

Um mundo sem Cruz sem o sinal da Cruz Salvadora de Jesus cairá facilmente numa idéia distorcida do cristianismo. Tornar –se – á em um cristianismo hedonista, e o Cristo tornar-se-á em um Cristo do prazer, um Cristo fashion.

Quanto a este perigo o Apóstolo Paulo dá uma dura nos cristãos da comunidade de gálatas:

“Ó Gálatas insensatos, quem vos fascinou, a vós ante olhos foi desenhada a imagem de Jesus Cristo crucificado?… sois tão insensatos que, tendo começado pelo espírito, agora acabais na carne?” (Gl 3,1-3)

Substituindo em nossas Igrejas a imagem do Crucificado por um Cristo triunfante, glorioso e sem a Cruz, corremos o risco de cairmos em uma heresia disfarçada que se nega a humanidade do Verbo Encarnado. Uma Igreja sem Cruz é uma Igreja herética, uma Igreja “protestantizada”. Devemos reconhecer com pesar que vivemos uma verdadeira crise na teologia da Cruz.

Já imaginaram celebrarmos uma Semana Santa sem Cruz? O que faremos na sexta-feira santa? O que apresentaremos ao povo do Cordeiro Imolado?

Pois na sexta-feira santa temos a adoração da Cruz, sim, por mais que nos soe estranho a Igreja diz: “A Adoração da santa Cruz de Nosso Senhor Jesus Cristo” (Cf.: Missal Romano)

Portanto, a Cruz de Nosso Senhor Jesus Cristo “é a única Cruz digna de adoração…” 

Na verdade esta imagem, até deve ser apresentada no Domingo da Ressurreição, mas não serve para está no lugar do Cordeiro Imolado. São duas as experiência pelas quais Jesus passa: morte de Cruz e a ressurreição. Uma não existe sem a outra. 

“Cristo voador” é um Cristo suspenso no ar, sem cruz sem razão de ser. Na verdade por mais que queiram representar o Cristo ressuscitado, a imagem foge totalmente da verdadeira experiência do cristão. Pois sem a Cruz na há salvação e como diz a carta aos hebreus:

“Segundo a Lei, quase todas as coisas se purificam com sangue; e sem efusão de sangue não há remissão” (Hb 9,22) 

“Cristo voador” que estão pendurando no presbitério em algumas Igrejas é um Cristo lavado e sem sangue, um Cristo enxuto, uma imagem sem graça, sem gosto, ou melhor, de mau gosto, porque está no lugar errado e na hora errada. Pois sabemos que a Igreja militante, é a Igreja da Cruz, do combate… da luta. A Igreja gloriosa nos espera para além deste mundo.

Além do mais, a Cruz não é o lugar do Cristo glorioso, a experiência gloriosa da ressurreição se deu no sepulcro, e o Cristo glorioso é o Cristo da ascensão, a Cruz é o lugar do martírio, e por sinal um lugar desconfortante, é um “caminho contra a corrente” do mundo.

Embora saibamos pela fé, que a ressurreição aconteceu, ninguém a testemunhou, só o santo sudário guardou o momento exato da ressurreição do Senhor, a experiência cristã é a da aparição do ressuscitado, que fora crucificado. Então pintar um Cristo voador e querer compará-lo ao Cristo ressuscitado é no mínino fantasioso, para não dizer folclórico. Embora alguns querem associá-lo à ascensão.

Este Cristo voador que estão colocando em algumas Igrejas é algo ridículo, um passo a mais para se eliminar o símbolo da Cruz das Nossas Igrejas e das nossas vidas, pois das escolas e ambiente públicos aos poucos já estão tirando. O modismo do Cristo voador é um perigo para a fé.

A Igreja não deve esconder o crucificado, sem incorrer na acusação de sentir vergonha da Cruz do Senhor, e quem tem vergonha da Cruz de Cristo se torna seu inimigo.

“Pois há muitos dos quais muitas vezes vos disse e agora repito, chorando, que são inimigos da cruz de Cristo” (Fl 3,18) 

São Paulo afirma que sem ressurreição “a nossa fé seria vã”, porém, sem a Cruz ela nem existiria. Pois sem a Cruz não haveria nem salvação nem a aurora da ressurreição. O anúncio de uma ressurreição que não passasse pela Cruz seria vazio. O túmulo está vazio, porque antes alguém esteve lá dentro. Sem a Cruz o Senhor não teria vencido a morte, o inferno, o mundo, o pecado e o medo. Portanto, “o Gólgota é a passagem obrigatória rumo à Ressurreição”.


Meditações sobre as Cartas Paulinas – 1ª Tessalonicenses, Cap. 1

Estamos iniciando o estudo do corpo da Carta Paulina aos Tessalonicenses. Hoje gostaria de falar do capítulo 1º.

Como podemos ver logo no começo, dirige-se à comunidade de Colossos, não somente Paulo, como também Silvano e Timóteo, como eles mesmos definiram: “À igreja dos tessalonicenses reunida em Deus Pai e no Senhor Jesus Cristo” (v. 1). Conforta-nos, de certa forma, saber que Paulo não dirigia-se a indivíduos isolados, mas a uma comunidade de fé, reunida em Deus, por meio de Jesus Cristo. Garante suas orações pela comunidade e deseja-lhes graça e paz, de todo o coração sabemos que ele no-lo faz. Nutria, verdadeiramente, um sentimento de alegria pela comunidade.

Lembramo-nos da ação de vossa fé, do esforço de vosso amor e da constância de vossa esperança em nosso Senhor Jesus Cristo” (v. 3).

O cristão ama! Esta verdade percorre dois mil anos com tamanha vivacidade. Não é um amor puramente sentimental, que restringe-se aos limites humanos. É um amor que plenamente se realiza em Deus. E poderíamos dizer que vai além: Um amor que é Deus. Que cativa a todos os homens não por bens materiais, ou por posses e títulos, mas por Sua Palavra, por Seu Filho, que, morrendo na cruz, destruiu todo o pecado, e nos inseriu no seu mistério de salvação. É preciso, não obstante, que deixemo-nos cativar por Ele, e não buscar impô-Lo em nossas ideologias, ou adaptá-Lo aos nossos sentimentos.

No versículo 6, porém, Paulo fala algo que me chama particular atenção: “Vos tornastes imitadores nossos e do Senhor, acolhendo a Palavra em meio a muita tribulação e, no entanto, com a alegria que vem do Espírito Santo”.

Destas informações podemos fazer diversas analogias com nossos dias. Em primeiro lugar, o termo “imitadores nossos e do Senhor”. Devemos então centrar-nos um pouco aqui. Imitar! Como esta palavra é tão mais realista em nossos dias, e para nós cristãos. É preciso que nos tornemos imitadores. Imitadores na radicalidade, capazes de renunciarmos tudo para abraçar o ideal de Jesus Cristo, o qual Paulo abraçou e jamais se desapegou deste.

Porém, por vezes, parece que este imitar sente-se abalado mediante as divergências e oportunismos que figuram-se no mundo. Somos chamados a acolher a Palavra, e acolhendo-a então, poderíamos sentir-nos firmes, permeados da fortaleza que Deus nos concede dia a dia, ainda que mediante as dificuldades, possamos nos fixar unicamente no Evangelho. Um Evangelho que não é um conjunto de ideologias, mas é muito mais que isso: é o próprio Jesus Encarnado que faz-se Palavra de vida eterna. Só estando com Cristo poderemos ter plena força, e só então os homens poderão transcender. E esta transcendência não será apenas aparente, mas dar-se-á no interior, quando os homens não irão buscar mais o ter, e sim o ser.

Também nos é possível fazer uma associação com as palavras do Senhor, que nunca cessam de ressoar: “Se alguém quer vir após mim, renegue-se a si mesmo, tome cada dia a sua cruz e siga-me” (Lc 9, 23).

Precisamos ter em mente, primeiramente, que estas palavras salvíficas, de certa forma, exprimem um intrínseco imitar. Aquele que imita a Cristo, aquele que deseja fazer de sua vida um modelo de santidade, deve também carregar sua cruz. Não se pode esperar que nosso seguimento e doação total a Ele não tenha reação por parte de uma sociedade subjetivista.

Em segundo lugar, centremo-nos nas palavras “acolhendo a Palavra em meio a muita tribulação e, no entanto, com a alegria que vem do Espírito Santo”. Tribulações! E quantas vezes elas se põem no caminho do cristão! Quanto mais nos dedicamos ao anúncio do Evangelho, mais somos tentados a estarmos contra ele, a fazermos o que não nos é permitido. Parece-nos também paradoxal esta afirmação de São Paulo. Como pode alguém na tribulação, possuir a alegria?

A resposta para tal pergunta poderemos encontrar ao longo de toda a Sagrada Escritura. Precisamente no sofrimento, na tribulação, quando já não sentimos que Deus está conosco, aí então Ele se manifesta de uma forma forte, capaz de mover-nos, mesmo em nossos sentimentos mais profundos, seja de ódio ou de angústia; e no lugar dá-nos a alegria, vinda do Espírito, que atinge a cada um de forma diferente, mas com a mesma finalidade: tornar-nos cidadãos do céu. Alegria esta que nos impulsiona a sermos autênticas testemunhas do Evangelho. Testemunhando-o, antes de tudo, com nossa vida.

No capítulo 10, Paulo refere-se, pela primeira vez, à Parusia de Jesus Cristo. Escreve ele: “Pois todos contam como fomos recebidos por vós e como, virando as costas aos ídolos, vos voltastes para o Deus vivo e verdadeiro e vos pusestes ao seu serviço, na espera do seu Filho, Jesus, que ele ressuscitou dentre os mortos e que virá dos céus para nos arrancar da ira que vem vindo”.

Os tessalonicenses viraram as costas para os ídolos. Viremos também nós as costas para os ídolos que impregnam de forma maléfica a nossa sociedade. Voltemo-nos contra a ganância e o poder do consumismo; voltemo-nos contra as drogas e o uso desregrado do dinheiro; voltemo-nos contra os vícios e prazeres carnais, fora dos ensinamentos evangélicos.

Sigamos unicamente o Deus vivo e verdadeiro, que é capaz de confortar-nos e de nos abrir as portas para as eternas alegrias. Um Deus que nos ama sinceramente pelo que somos, e não pelo que possuímos. Deus que envia Seu Filho único para a Redenção do mundo, e para nos livrar dos abismos que nossos pecados causaram. Que o mundo se abra a Jesus Cristo e experimente o seu incomensurável amor por cada um de nós. Que o mundo se abra à verdadeira libertação, que não redime o homem por meio de seus bens, mas o liberta unicamente por Cristo Senhor.

O Ressuscitado, conforme diz São Paulo, vai nos “arrancar da ira que vem vindo”. Mas que ira seria esta?  Poderíamos associá-la ao Juízo Final, último acontecimento da obra Salvadora de Jesus Cristo. Não se expressaria exatamente pelo termo ira, seria demasiado pesado para nós; porém, para a comunidade da época, assim São Paulo no-la associou, visto que os pecados excediam, não a misericórdia de Deus, pois ela é verdadeiramente incomensurável, e o próprio Jesus atesta a Santa Faustina: “A falta de confiança das almas dilacera-Me as entranhas. Dói-me ainda mais a desconfiança da alma escolhida. Apesar do Meu amor inesgotável, não acreditam em Mim, mesmo a Minha morte não lhes é suficiente. Ai da alma que deles abusar!” (Diário de Santa Faustina, 50).

Portanto, também vemos uma perspectiva escatológica nestes textos. Que a nossa preparação para o advento definitivo do Senhor não seja apenas por temor do inferno ( = morte eterna), mas, sobretudo, por reconhecimento ao Amor de Jesus, que não faz distinções, e deveras olha a todos igualmente.

Peçamos neste dia a intercessão de Santa Isabel da Hungria, Padroeira da Ordem Franciscana Secular. Dela nos diz o Santo Padre Bento XVI, quando ainda era o Cardeal Ratzinger:

“O que fez foi realmente viver com os pobres. Desempenhava pessoalmente os serviços mais elementares do cuidado com os doentes: lavava-os, ajudava-os precisamente nas suas necessidades mais básicas, vestia-os, tecia-lhes roupas, compartilhava a sua vida e o seu destino e, nos últimos anos, teve de sustentar-se apenas com o trabalho das suas próprias mãos.(…)

Deus era real para ela. Aceitou-o como realidade e por isso lhe dedicava uma parte do seu tempo, permitia que Ele e sua presença lhe custassem alguma coisa. E como tinha descoberto realmente a Deus, e Cristo não era para ela uma figura distante, mas o Senhor e o Irmão da sua vida, encontrou a partir de Deus o ser humano, imagem de Deus. Essa é também a razão por que quis e pôde levar aos homens a justiça e o amor divinos. Só quem encontra a Deus pode também ser autenticamente humano”. (Da homilia na igreja de Santa Isabel da Hungria de Munique, em 2 de dezembro de 1981).