A homilia do Papa concentrou-se no sentido da palavra “vinda” (em latim, “adventus”), contida no Leitura breve proclamada, extraída da I Carta aos Tessalonicenses, em que o apóstolo Paulo nos convida a preparar a “vinda de nosso Senhor Jesus Cristo”. Classificando o Advento como “tempo da presença e da expectativa do eterno”, Bento XVI observou que precisamente por isso é, de modo especial, tempo de alegria, de uma alegria interiorizada.
Partindo, como dizíamos, da palavra Advento (em latim “adventus”), que se pode traduzir por “presença”, “chegada”, “vinda”, o Papa fez notar que no mundo antigo, era o termo técnico para indicar a chegada de um funcionário, ou a visita de um rei ou imperador. Podia indicar também a vinda de uma divindade, que sai do escondimento para manifestar a sua potência, ou que é celebrada no culto. Usando esta palavra desde o início da historia da Igreja , os cristãos queriam substancialmente dizer:
“Deus está aqui, não se retirou do mundo, não nos deixou sós. Embora não o possamos ver e tocar, como acontece com as realidades sensíveis, Ele está aqui e vem visitar-nos de múltiplos modos”.
Portanto, prosseguiu Bento XVI, nesta breve homilia, a expressão “advento” inclui também a ideia de “visita”, visita de Deus. Deus entra na minha vida e quer dirigir-se a mim. Por outro lado, todos fazemos, dia a dia, a experiência de ter pouco tempo para o Senhor, e pouco tempo para nós. Tantas vezes andamos dominados, possuídos, pelas actividades, pelo “fazer”.
“O Advento, este tempo litúrgico forte, que estamos a iniciar, convida-nos a determo-nos em silêncio para sentir uma presença. É um convite a compreender que cada um dos acontecimentos da jornada são acenos que Deus nos dirige, sinais da atenção que Ele tem por cada um de nós. Quantas vezes Deus nos deixa transparecer qualquer coisa do seu amor!. Manter um “diário interior” (digamos assim) deste amor, seria uma tarefa bela e salutar para a nossa vida!”
Outro elemento fundamental do Advento – observou ainda o Papa – é a espera, expectativa, que é ao mesmo tempo ‘esperança’. O Advento estimula-nos a captar o sentido do tempo e da história como ‘kairós’, como ocasião favorável para a nossa salvação. “O homem, na sua vida, está permanentemente em expectativa, à espera: quando é criança, quer crescer; como adulto, tende à realização e ao sucesso; avançando na idade, aspira a um merecido repouso. Mas chega um momento em que descobre que esperou demasiado pouco de si mesmo; para além da profissão e da posição social, nada lhe resta para esperar”.
“A esperança marca o caminho da humanidade. Mas, para os cristãos, a esperança encontra-se animada por uma certeza: que o Senhor está presente no fluir da nossa vida, Ele acompanha-nos e um dia enxugará as nossas lágrimas. Um dia, não muito distante, tudo encontrará o seu cumprimento, no Reino de Deus, Reino de justiça e de paz”.
Assim, para o cristão, o tempo é dotado de sentido, em cada instante advertimos qualquer coisa de específico e de válido. E a alegria da expectativa torna o presente mais precioso – observou Bento XVI, que convidou os fiéis a “viver intensamente o presente”, com os dons do Senhor que comporta, “projectados para o futuro, um futuro denso de esperança”.
“Se Jesus está presente, já não existe qualquer momento privado de sentido, ou vazio. Se Ele está presente, podemos continuar a esperar mesmo quando os outros já não são capazes de nos ajudar, mesmo quando o presente se torna difícil, árduo.
“O Advento – concluiu Bento XVI – é o tempo da presença e da expectativa do eterno. Precisamente por esta razão é, de modo particular, o tempo da alegria, de uma alegria interiorizada, que nenhum sofrimento pode cancelar. A alegria pelo facto de que Deus se fez menino. É esta alegria, invisivelmente presente em nós, que nos encoraja a caminhar confiantes”.
A seguir, propomos na íntegra a homilia do Santo Padre, traduzida em português:
Caros irmãos e irmãs,
Com esta celebração vespertina entramos no tempo litúrgico do Advento. Na leitura bíblica que acabamos de ouvir, extraída da 1ª Carta aos Tessalonicenses, o apóstolo Paulo nos convida a preparar a “vinda de Nosso Senhor Jesus Cristo” (5,23) guardando-nos irrepreensíveis, com graça de Deus. Paulo usa exatamente a palavra “vinda”, em latim adventus, da qual provém o termo Advento.
Reflitamos brevemente sobre o significado desta palavra, que pode ser traduzida como “presença”, “chegada”, “vinda”. Na linguagem do mundo antigo era um termo técnico, utilizado para indicar a chegada de um funcionário, a visita do rei ou do imperador em uma província. Mas, podia também indicar a vinda da divindade, que sai de seu escondimento para se manifestar com poder, ou que é celebrada por sua presença no culto. Os cristãos adotaram a palavra “advento” para expressar a sua relação com Jesus Cristo: Jesus é o Rei, que entra nesta pobre “província” denominada terra para visitar a todos; na festa de seu advento faz participar todos os que n’Ele crêem, todos os que crêem em sua presença em meio à assembléia litúrgica. Com a palavra adventus, se pretendia substancialmente dizer: Deus está aqui, ele não se retirou do mundo, não nos deixou a sós. Embora não possamos vê-lo nem tocá-lo como acontece com as realidades sensíveis, Ele está aqui e vem visitar-nos em diversos modos.
O significado da expressão “advento” compreende então também o de visitatio, que quer dizer simples e diretamente “visita”; neste caso, trata-se de uma visita divina: Ele entra em minha vida e quer se dirigir a mim. Todos experimentamos na existência quotidiana, o fato de termos pouco tempo para o Senhor e pouco tem
po também para nós. Acabamos deixando-nos absorver pelo “fazer”. Não seria talvez apropriado dizer que somos muitas vezes tomados pela atividade, que a sociedade com seus múltiplos interesses monopoliza a nossa atenção? Não seria talvez apropriado afirmar que se dedica muito tempo à diversão e ao lazer de diferentes tipos? Às vezes as coisas nos “arrastam”. O Advento, este tempo litúrgico forte que estamos iniciando, nos convida a parar em silêncio para compreender uma presença. É um convite a entender que cada evento do dia são sinais que Deus dirige a nós, prova da atenção que Ele tem por cada um de nós. Quão freqüentemente Deus nos faz perceber algo de seu amor! Manter, por assim dizer, um “diário interior” deste amor seria uma bonita e salutar tarefa para a nossa vida! O Advento nos convida e nos impulsiona à contemplação do Senhor presente. A certeza de sua presença não deveria nos ajudar a ver o mundo com olhos diferentes? Não deveria nos ajudar a considerar toda a nossa existência como “visita”, como um modo no qual Ele pode vir a nós e nos tornar mais próximos, em cada situação?
Outro elemento fundamental do Advento é a espera, espera que ao mesmo tempo esperança. O Advento nos impele a compreender o sentido do tempo e da história como “kairós”, como ocasião favorável à nossa salvação. Jesus mostrou esta realidade misteriosa em muitas parábolas: no relato dos servos convidados a esperar o retorno do patrão; na parábola das virgens que esperam o esposo; ou ainda nos relatos sobre a semeadura e colheita. O homem, em sua vida, está em constante espera: quando é criança, quer crescer; quando adulto busca a realização e o sucesso; com o passar dos anos, aspira ao merecido repouso. Mas chega o tempo no qual ele descobre que esperou pouco se, independente da profissão ou do status social, não lhe resta mais nada para esperar. A esperança marca o caminho da humanidade, mas para os cristãos esta é animada por uma certeza: o Senhor está presente no correr da nossa vida, nos acompanha e um dia enxugará também as nossas lágrimas. Um dia, não distante, tudo encontrará seu cumprimento no Reino de Deus, Reino de justiça e de paz.
Mas existem maneiras muito diferentes de esperar. Se o tempo não é preenchido por um presente dotado de sentido, a espera pode tornar-se insuportável; se espera-se algo, mas no momento não há nada, se o presente permanece vazio, cada segundo que passa parece infinitamente longo, e a espera se transforma num fardo muito pesado, porque o futuro permanece totalmente incerto. Quando, porém, o tempo é dotado de sentido, e em cada instante percebemos algo de específico e de válido, então a alegria da espera torna o presente mais precioso. Caros irmãos e irmãs, vivamos intensamente o presente onde já nos alcançam os dons do Senhor, vivamo-lo com nosso olhar voltado para o futuro, um futuro cheio de esperança. O Advento cristão se torna assim ocasião para reavivar em nós o verdadeiro sentido da espera, retornando ao coração da nossa fé, que é o mistério de Cristo, o Messias esperado ao longo de séculos e nascido na pobreza de Belém. Vindo em meio a nós, nos encontrou e continua a nos oferecer o dom de seu amor e de sua salvação. Presente entre nós, nos fala em diversos modos: na Sagrada Escritura, no ano litúrgico, nos santos, nos eventos da vida cotidiana, em toda a criação, que muda de aspecto conforme a condição de que Ele lhe esteja por detrás ou que seja ofuscada pela névoa de uma origem incerta e de futuro incerto. Por sua vez, nós podemos falar com Ele, apresentar a ele os sofrimentos que nos afligem, a impaciência, as perguntas que brotam no coração. Acreditemos que Ele sempre nos ouve! E se Jesus está presente, não existe mais nenhum momento vazio e sem sentido. Se Ele está presente, podemos prosseguir esperando também quando os outros não podem nos assegurar ajuda; também quando o presente se torna cansativo.
Caros amigos, o Advento é o tempo da presença e da espera do eterno. Exatamente por este motivo, em particular, é um tempo de alegria, de alegria interiorizada, que nenhum sofrimento pode cancelar. A alegria pelo fato de que Deus se fez criança. Esta alegria, em modo invisível presente entre nós, nos encoraja a caminhar confiantes. Modelo e apoio deste íntimo gáudio é a Virgem Maria, através da qual nos foi dado o Menino Jesus. Que Ela obtenha para nós, como fiel discípula de seu Filho, a graça de viver este tempo litúrgico vigilantes e laboriosos na espera. Amém!