Advento: levar Deus num mundo desesperançado

Ao adentrarmos mais um tempo do Advento queremos agradecer a Deus pelo novo ano litúrgico que se inicia e pedirmos que a sua graça nos ajude sempre a vivenciarmos a fidelidade a Ele. Desejamos igualmente colocar nossos corações abertos à escuta atenta da Palavra que vivifica e renova a vida humana. Esta renovação torna-se ainda muito propícia neste tempo em que cresce em nós a expectativa pela chegada do Filho de Deus, uma espera salvífica, que não nos deixa inquietos, mas nos acalenta o coração.

Por isso, na primeira leitura, o Profeta Isaías escreve: “Assim mesmo, Senhor, tu és nosso pai, nós somos barro; tu, nosso oleiro, e nós todos, obra de tuas mãos” (Is 64,7). Esta narrativa contém em si um claro sinal de confiança e de coração acalentado. Que pode o homem sem Deus? Nada! Deus molda o homem, o seu coração, o seu sentimento. Contudo, este agir de Deus não é invasivo, não tira a nossa liberdade. Ao contrário, Deus é a maior e primeira causa da liberdade. Com Deus o homem possui verdadeira liberdade; mas sem Ele este torna-se prisioneiro dos seus vícios e das suas vontades, colocando-se como centro de todo Cosmos e senhor de si mesmo. Podemos subentender daí que a liberdade que o Criador concede ao homem está além da sua obra criadora. Não basta estarmos livres de alguém ou de algo, mas livres “para” alguém. Liberdade que não se exerce torna-se escrava do ócio, logo, não é liberdade autêntica, porque também priva o homem da sua disponibilidade e subjuga-o a um vício.

Os Padres da Igreja não hesitavam em apontar Deus como o caminho único para uma liberdade cônscia e verdadeira, não deturpada por valores que figuram como nocivos para a reta consciência cristã. Deus é liberdade porque é paz, é a esperança que cintila; em última instância é Ele o mais importante da vida do homem.

Ainda um segundo aspecto a sublinharmos é que sem Deus o homem não possui esperança, mas faz-se detentor do medo. Privar-se de Deus é a verdadeira desesperança pela qual a hodierna sociedade se propôs passar ao afrontar o direito e a prioridade de Deus no mundo e na vida do homem. Por isso caem na desesperança: porque já não mais possuem aquele verdadeiro entusiasmo suscitado pelo novo da Palavra de Deus, da sua presença constante na história. Antes do encontro com Cristo, Paulo lembra aos Efésios que estavam “sem esperança e sem Deus no mundo” (Ef 2,12). Cristo porta consigo a novidade de Deus – ou ainda: Ele é a novidade de Deus – e por isso sua presença não é somente o sinal da sua existência, mas é garantia que Ele fez-se companheiro fidedigno do homem nos rumos da história.

“Por amor de teus servos, das tribos de tua herança, volta atrás. Ah! se rompesses os céus e descesses!” (Is 63, 17b. 19b). Nestes dois versículos dois clamores nos chamam a atenção:

“Volta atrás”, Senhor! Este primeiro não é apenas um clamor do povo na narrativa do exílio babilônica transcrita por Isaías; é também o brado do homem contemporâneo que anseia por Deus, por sua verdade, pela sua esperança. Volvei vosso olhar misericordioso para o povo que sofre e que confia, clamando a Ti. Voltai vossa misericórdia aos que sofrem tribulações, perseguidos e marginalizados pela fé quem em vós depositaram. Voltai vosso olhar àqueles que atentam contra a vida humana, privando o ser, criado à vossa imagem e semelhança, do seu primeiro dom: a vida. Concede aos homens a verdadeira paz que emana de Ti, do teu Sacratíssimo Coração.

O segundo clamor do povo exilado realiza-se plenamente na Encarnação do Filho de Deus: “Ah! se rompesses os céus e descesses!” Sim, Ele rompe os céus, assume nossa condição mortal, submete-se à condição temporal, para assim redimir a humanidade: todos nele são salvos e encontram plena felicidade. Em Deus o homem é capaz de assumir sua verdadeira condição, de reconhecer seus deveres e direitos e de respeitá-los. Ele é fiel! (cf. I Cor 1,9) Fazemos também nós coro à carta paulina para afirmarmos juntos essa fidelidade incessante daquele que não permanece inacessível. Assumir a nossa natureza é também uma prova desta fidelidade que penetra na existência humana, rompe – por assim dizer – a barreira que havia entre o eterno e o temporal, o divino e o humano. Podemos ter certeza que mesmo diante de tantos conflitos existenciais, morais, mas também os armados, Deus não abandonou o homem, mas mantém seus olhos voltados à nós. Sim, precisamente porque Ele é fiel, permanecem os seus olhos abertos para a humanidade.

Peçamos a Maria a sua intercessão, para que nossa vida seja uma adesão ao querer de Deus. Que nossos corações estejam abertos para receber-te, Senhor! Abre nossos corações à humildade, à vigilância e à oração. Em nosso mundo tão minado por guerras e violências ensina-nos o dom da tua paz, paz verdadeira e eterna.  Ajudai-nos a reconhecermos que a paz deve sempre apoiar-se na justiça, de tal forma que não existirá paz verdadeira enquanto não houver verdadeira justiça. Mostrai aos poderosos deste mundo que uma paz injusta é a promessa de uma guerra e que a verdadeira paz não se conquista com armas mas com os corações abertos a Deus. Só assim restituiremos à humanidade a verdadeira esperança que sois Vós.

Sacrosanctum Concilium. Parte doze. A Santa Missa: o alvo e a flecha, o princípio e o objetivo.

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 O nº 10 da Constituição Conciliar Sacrosanctum Concilium é relativamente grande uma vez que engloba dois parágrafos. Grande em assuntos abordados, como não poderia deixar de ser e o é em praticamente todos os parágrafos do documento, como também é grande em tamanho físico. Vejamos o primeiro parágrafo do nº 10 para poder destrinchá-lo e analisá-lo coerentemente:

10. Contudo, a Liturgia é simultaneamente a meta para a qual se encaminha a ação da Igreja e a fonte de onde promana toda a sua força. Na verdade, o trabalho apostólico ordena-se a conseguir que todos os que se tornaram filhos de Deus pela fé e pelo Batismo se reúnam em assembleia para louvar a Deus no meio da Igreja, participem no Sacrifício e comam a Ceia do Senhor.

O parágrafo menciona desde a meta para a qual a Igreja se dirige, passando pelo motor de onde a Igreja retira suas forças para desempenhar seu papel e atividade, até chegar ao esforço que a Igreja precisa empreender para alcançar a uma perfeita participação em seus objetivos.

Pois bem, é como entender cada uma dessas encruzilhadas para que não se tornem confusas a ponto de nos perdermos em meio a tantos caminhos.

O texto do parágrafo afirma que “a Liturgia é simultaneamente a meta para a qual se encaminha a ação da Igreja (…)”. O texto é claríssimo a demonstrar, não só aqui nessa frase, mas em toda e qualquer manifestação da Igreja sobe a liturgia da Santa Missa que esse é o fim principal da Igreja, afinal ali, na Santa Missa, é que se faz o sacrifício, conforme ordenado pelo próprio Cristo e onde se conserva Cristo crucificado e vivo, onde se conserva a comunhão e nosso compromisso renovado com esse projeto salvífico.

A encíclica de nosso saudoso João Paulo II é clara ao deixar, em todo o seu texto, desde o título, que aqui se trata da Igreja da Eucaristia, a Igreja que vive na e da Eucaristia. Suas palavras são implacavelmente diretas ao colocar a Eucaristia, portanto o sacrifício da Missa, em primeiríssimo lugar:

1. A Igreja vive da Eucaristia. Esta verdade não exprime apenas uma experiência diária de fé, mas contém em síntese o próprio núcleo do mistério da Igreja. (Encíclica Ecclesiade Eucharistia, Papa João Paulo II)

Na mesma encíclica o Papa João Paulo II ainda menciona:

“Por isso mesmo a Eucaristia, que é o sacramento por excelência do mistério pascal, está colocada no centro da vida eclesial.”

(Encíclica Ecclesiade Eucharistia, Papa João Paulo II, ponto 3, itálico no original)

Quando a Sacrosanctum Concilium afirma que “a Liturgia é a meta a qual se encaminha a ação da Igreja” é justamente desse caminho, o da Eucaristia, que ela quer falar. Sem a Eucaristia não existe Igreja, sem Santa Missa não existe Eucaristia. A conclusão fica clara como o sol: sem Santa Missa não há Igreja.

O próprio Concílio Vaticano II tratou de deixar nítida tal afirmação em outro de seus documentos, a Lumen Gentium, demonstrando a total coerência que não podia deixar de acontecer em um Concílio que, apesar das más-línguas, apenas propagou a continuidade dos mais de vinte que o antecederam, sem falha e sem ruptura, para desespero de muitos. Vejamos:

“(…)Pela participação no sacrifício eucarístico de Cristo, fonte e centro de toda a vida cristã (…)”

Não há como negar, portanto, que a Liturgia é o centro da vida eclesial. Todos os demais pontos de conversão em que a Igreja se encontra são secundários, por mais que o mundo assim não veja.

Parece insensível fazer esse tipo de afirmação quando colocamos, por exemplo, as questões assistenciais. Entretanto, antes de pormenorizar, afirmamos: a Santa Missa é mais importante.

Em vários lugares pelo mundo já que não é exclusividade de nossa América Latina, a questão assistencial da Igreja é muito latente. Dificilmente deixamos de encontrar as chamadas Pastorais Sociais nas paróquias. Ninguém nunca disse que esse tipo de trabalho é proibido ou inconveniente, pelo contrário, contudo não pode, nunca, ser colocado acima da Santa Missa.

Sacerdotes que são verdadeiros líderes comunitários e desenvolvem um trabalho social invejável são de extrema importância e muito bem vistos, contudo sua preocupação deve igualmente girar em torna da dignidade litúrgica e mais ainda em torno da importância do sacrifício de Cristo na Santa Missa.

É preciso sempre lembrar que a função da Igreja é salvar almas. Distribuição de cestas básicas pode ser um dos caminhos, contudo não é o único, caso contrário, parafraseando nosso Papa Francisco: não seremos mais que uma gigantesca ONG.

É nesse sentido que devemos identificar todos os trabalhos que envolvem a Igreja, fora o trabalho litúrgico. Grupos de Oração, trabalhos pastorais do mais diversos e a trazer a dignidade a quem não tem, são temas e serviços muito caros à Igreja e muito bem vistos aos olhos de Deus. Trazem uma dignidade à alma que sem dúvida ajudará em nossa salvação e ajudará na salvação de tantos outros, contudo não é o principal, repito. A Santa Missa sim, o é.

Não a toa que a primeira oração do primeiro parágrafo do nº 10 da Sacrosanctum Concilium conclui que:

“(…) a Liturgia é simultaneamente a meta para a qual se encaminha a ação da Igreja e a fonte de onde promana toda a sua força.”

Não só a Liturgia é a meta, o alvo e o objetivo maior, mas também é o princípio, o início de tudo quanto há, afinal quem mesmo é o alfa e o ômega (Ap 1,8; 21,6; 22,13)?

Sacrosanctum Conclium. Parte onze. Igreja, nossa bússola. O envio como condição.

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Em continuação ao número 9 do documento do Concílio Vaticano II intitulado Sacrosanctum Concilium, não é possível deixar em branco a menção de que esse parágrafo pode e deve gerar uma série de reflexões devido a sua complexidade e conteúdo. Dentro de quatro ou cinco linhas o parágrafo diz muito e pode ser destrinchado em diversos temas que geram diversas discussões.

É nessa esteira que vamos correr, caminhar e tentar chegar a algumas rasas conclusões. Vejamos, novamente, o que o parágrafo de número 9 nos fala:

9. A sagrada Liturgia não esgota toda a ação da Igreja, porque os homens, antes de poderem participar na Liturgia, precisam de ouvir o apelo à fé e à conversão: «Como hão-de invocar aquele em quem não creram? Ou como hão-de crer sem o terem ouvido? Como poderão ouvir se não houver quem pregue? E como se há-de pregar se não houver quem seja enviado?» (Rom. 10, 14-15).

Bom, que antes de participar da missa é preciso conversão, isso já estudamos e foi digno de um artigo inteiro anterior a esse, contudo que conversão é essa e de onde vem. Melhor ainda, como vem e como podemos reconhece-la?

O reconhecimento da verdadeira fé é um problema dos dias atuais. Como atuais me circunscrevo a cerca de quatro séculos, e piorando gradativamente. Aos que ainda não entenderam, falemos de forma clara: o protestantismo é um sério problema de identidade. Explico! A medida que a verdadeira fé não é reconhecida, ela, necessariamente, deve ser reconhecida em outros lugares, mesmo que errôneos, afinal, como pode ser estudado no catecismo: “O Homem é capaz de Deus” o homem sempre busca a Deus. Não adentraremos nesse tema agora.

O importante é verificar que o protestantismo é uma tentativa de encontrar Deus onde Ele não está. Quando se acha que encontrou algo onde esse algo não está, certamente estamos encontrando algo que se parece com o que buscamos, mas que não é exatamente o que buscamos. Pode até ser um vestígio, uma pista, mas não é exatamente nosso objeto de desejo.

Não há como se converter sem saber pra que lado se vai. Conversão pode acontecer de todos os modos para todas as teses e teorias, por mais absurdas que possam parecer. Por isso é preciso algo exterior que nos governe: uma bússola.

O que poderia ser essa bússola? O que pode poderia ser esse algo externo que nos guia? Bom, aos bons entendedores…

A Igreja precisa ser esse caminho para Cristo que “é o caminho, a verdade e a vida”(1Tm. 2, 5). Acontece que nesse caminho temos vários obstáculos, vários sacrifício e vários encontros. Esses encontros podem ser para nos ajudar ou nos atrapalhar. Nos ajudam porque querem fazer o bem ajudando alguém ou as vezes sem querer, da mesma forma, nos atrapalham querendo nos ajudar ou querendo fazer o mal. Isso acontece em todo caminho, certo?

Pois bem, com esse instrumento que Cristo nos deixou para que possamos ser guiados a Ele, nosso verdadeiro norte, essa bússola que é a Igreja, precisa de ponteiros regulados e em perfeita consonância, perfeita sincronia com essa bússola. Como fazer isso? Quem seriam esses ponteiros que nos indicam esse caminho dentro dessa bússola? Qual o grau de cumplicidade e sincronia entre os ponteiros e a bússola?

Em primeiro lugar sabemos que toda bússola aponta para o Norte. O Norte atrai seus ponteiros. A Igreja sempre aponta para Cristo justamente porque Cristo atrai os seus, mas não basta ser atraídos, precisamos ter certeza de que estamos sendo atraídos para o caminho certo e só uma bussola bem regulada pode nos garantir isso.

O número 9 do Sacrosanctum Concilium é claro ao ilustrar-se com a seguinte passagem bíblica:

«Como hão-de invocar aquele em quem não creram? Ou como hão-de crer sem o terem ouvido? Como poderão ouvir se não houver quem pregue? E como se há-de pregar se não houver quem seja enviado?» (Rom. 10, 14-15)

A passagem pede o uso da lógica. É um caminho que obrigatoriamente temos que seguir. Não há como crer na pessoa certa, muito menos invoca-lo se não for por meio de um caminho certo, um ponteiro bem sincronizado em uma bússola bem regulada e correta. É preciso que sejamos enviados para esse serviço que é a evangelização.

O Catecismo de João Paulo II em seu número 875 menciona esse mesmo contexto e nos dá um caminho muito claro sobre o assunto de envios:

875. (…) Ninguém, nenhum indivíduo ou comunidade, pode anunciar a si mesmo o Evangelho. «A fé surge da pregação» (RM 10,17). Por outro lado, ninguém pode dar a si próprio o mandato e a missão de anunciar o Evangelho. O enviado do Senhor fala e atua, não por autoridade própria, mas em virtude da autoridade de Cristo; não como membro da comunidade, mas falando à comunidade em nome de Cristo. Ninguém pode conferir a si mesmo a graça; ela deve ser-lhe dada e oferecida. Isto supõe ministros da graça, autorizados e habilitados em nome de Cristo. É d’Ele que os bispos e presbíteros recebem a missão e a faculdade (o «poder sagrado») de agir na pessoa de Cristo Cabeça e os diáconos a força de servir o povo de Deus na «diaconia» da Liturgia, da Palavra e da caridade, em comunhão com o bispo e com o seu presbitério. A este ministério, no qual os enviados de Cristo fazem e dão, por graça de Deus, o que por si mesmos não podem fazer nem dar, a tradição da Igreja chama «sacramento». O ministério da Igreja é conferido por um sacramento próprio.

(Catecismo da Igreja Católica)

Falando claramente, não é possível que alguém se autointitule pastor, bispo e até apóstolo como é o que vemos por ai. Ninguém nesse mundo tem autoridade própria para se conceder esses títulos. Esses títulos foram concedidos pelo próprio Deus na pessoa de Cristo e esses mandatos foram entregues a essas pessoas. Por Cristo ainda foi dado o múnus de dar continuidade a esses mandatos, conceder a sucessão, tudo sob a promessa de que nunca iríamos ser abandonados por Ele (Mt. 28, 20).

O sacramento da ordem é preciso para que os devidamente enviados possam proceder como pastores (padres e diáconos), bispos e sucessores reais dos apóstolos, da mesma forma é preciso que todos nós, católicos, leigos ou não, sejamos enviados pelo menos semanalmente, na Santa Missa, para o nosso trabalho de evangelização. Esse envio só pode ser feito por um sacerdote que, antes, fora devidamente enviado para isso e assim sucessivamente pelos séculos até chegarmos ao próprio Cristo.

O nosso Papa Emérito Bento XVI, então ainda no governo da Igreja, proferiu as seguintes palavras sobre esse assunto em audiência no Vaticano:

Num trecho sucessivo, diz ainda:  “A fé vem da escuta” (cf. RM 10,17). A fé não é produto do nosso pensamento, da nossa reflexão, é algo de novo que não podemos inventar, mas somente receber como uma novidade produzida por Deus. E a fé não vem da leitura, mas da escuta. Não é algo somente interior, mas uma relação com Alguém. Supõe um encontro com o anúncio, supõe a existência do outro que anuncia e cria comunhão.

(Audiência. Papa Bento XVI dia 10/02/2008, Sala Paulo VI, Roma)

Ou seja, é preciso que haja um outro anterior que tenha enviado aquele que agora nos prega e esse outro foi enviado por um outro que o antecedeu e assim viajamos pelos séculos em sentido inverso, retrocedendo, ininterruptamente até os apóstolos e o próprio Cristo.

E no mesmo dia, na mesma audiência, Bento XVI conclui:

E finalmente, o anúncio:  aquele que anuncia não fala por si, mas é enviado. Está dentro de uma estrutura de missão que começa com Jesus enviado pelo Pai, passa aos apóstolos a palavra apóstolos significa “enviados” e continua no ministério, nas missões transmitidas pelos apóstolos.

(

Audiência. Papa Bento XVI dia 10/02/2008, Sala Paulo VI, Roma)

E é assim que a Liturgia se desenvolve para os que anteriormente se converteram. A palavra de Deus é transmitida na Santa Missa e assim o é desde os primórdios quando os próprios apóstolos (enviados), enviavam outros sacerdotes e mesmo seus sucessores, para os mais distantes pontos da Terra a fim de divulgar uma palavra intacta, afinal, é a palavra de Deus.

E termina Bento XVI explicando tais pontos mais detidamente:

“Ele vos dará outro Paráclito o Espírito da Verdade”. A fé, como conhecimento e profissão da verdade sobre Deus e sobre o homem, “surge da pregação, e a pregação surge pela palavra de Cristo”, afirma São Paulo (RM 10,17). Ao longo da história da Igreja, os Apóstolos anunciaram a palavra de Cristo, preocupando-se em transmiti-la intacta aos seus sucessores, que por sua vez a comunicaram às gerações sucessivas, até aos nossos dias. Muitos pregadores do Evangelho deram a vida precisamente em virtude da fidelidade à verdade da palavra de Cristo. E assim, da atenção pela verdade nasceu a Tradição da Igreja. Como nos séculos passados, também hoje há pessoas ou ambientes que, ignorando esta Tradição plurissecular, gostariam de falsificar a palavra de Cristo e tirar do Evangelho as verdades que, na sua opinião, são demasiado incómodas para o homem moderno. Procura-se criar a impressão de que tudo é relativo: também as verdades da fé dependeriam da situação histórica e da avaliação humana. (Viagem Apostólica do Papa Bento XVI à Polônia. Homilia na cidade de Varsóvia, 26/05/2006)

Sacrosanctum Concilium. Parte Dez: Antes de participar da Santa Missa é preciso fé e conversão.

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Ao analisar a liturgia como um todo e ler documentos como a Ecclesia de Eucharistia do Beato João Paulo II, muitos que tem em seu intento apenas o estudo deixando de lado a vivência da fé comunitariamente, seja participando ativamente em uma paróquia seja apenas frequentando a missa nos dias santos e de guarda, como prescreve o mandamento, acaba por tirar suas próprias conclusões de forma errada. Essas conclusões podem divagar entre dois pontos:

Primeiro: a liturgia é um conjunto de regras a serem seguidas com gestos, rituais e falas marcadas por momentos adequados;

Segundo: a liturgia é o ponto principal, portanto o único que deve ser levado em consideração, sendo os demais mero enfeite desse principal.

Ora, ambas as considerações estão erradas. Depois da internet e o acesso fácil a um sem número de documentos, foram criados senhores em doutrina católica como “nunca-antes-visto-nesse-país”, digo até que no mundo. Surgiram experts em assuntos que antes apenas demandava fé e obediência por parte dos fiéis que, antes de tudo são isso: fiéis.

Entender de doutrina, conhecer documentos da Igreja, saber o porquê de cada detalhe na liturgia da Santa Missa, são de especial importância, contudo não são essenciais. Ninguém precisa ser perito em liturgia para comungar legitimamente, muito menos para se confessar ou crer que a Igreja foi fundada por Cristo e a ela devemos nossa obediência. Ninguém precisa saber o que vem a ser transubstanciação, doxologia final, oração sobre as oblatas ou discutir academicamente a tradução da fórmula da consagração para ser bom católico. Aliás, esses, os que não sabem dessas discussões, costumam ser os melhores católicos, porque, na ignorância e pobreza, inclusive de coração (Mt. 5, 3) ) são os que creem. São eles os que creem sem terem visto (Jo. 20,29).

Pois bem, a liturgia não é só um conjunto de regras rígidas de falas e posicionamentos de corpo. Essa definição se assemelha mais a uma parada militar. A Santa Missa também não se fecha nela mesma e se esgota em si mesma. A Santa Missa é muito mais que isso. Trata-se do sacrifício de Deus. Essa frase parece não expressar toda a amplitude da questão, contudo é exatamente isso: Deus dando Sua vida para abrir caminhos à salvação da humanidade que se perdeu por querer justamente atacar e ser esse mesmo Deus. Nenhuma religião prega um Deus como esse. Os politeísmos grego e romano tinham deuses que se proliferavam mais que ratos fechados em um porão, contudo nenhum desses deuses seria capaz de se entregar por aqueles meros e insignificantes mortais. Trata-se de algo novo e inesperado na história: um Deus que se rebaixa à condição precária de ser humano e entrega a vida com total resignação e sofrimento à uma humanidade que como ser social nunca fez nada para merecer tal ato de misericórdia.

É nesse sentido que o número 9 da Constituição Conciliar Sacrosanctum Concilium manifesta:

9. A sagrada Liturgia não esgota toda a ação da Igreja, porque os homens, antes de poderem participar na Liturgia, precisam de ouvir o apelo à fé e à conversão: «Como hão-de invocar aquele em quem não creram? Ou como hão-de crer sem o terem ouvido? Como poderão ouvir se não houver quem pregue? E como se há-de pregar se não houver quem seja enviado?» (Rom. 10, 14-15).

Grande parte do parágrafo merece ser dissecado em texto apartado por que a complexidade ultrapassa os limites do que aqui já foi discutido e tornaria o texto extremamente longo: assim o faremos. Entretanto, que fique muito clara a primeira frase desse número 9 do documento conciliar: “A sagrada Liturgia não esgota toda a ação da Igreja, porque os homens, antes de poderem participar na Liturgia, precisam de ouvir o apelo à fé e à conversão (…)”

A Liturgia, antes de ser vista e dignamente acompanhada e honrada por nós, deve ser resultado de profunda conversão. Podemos entender cada parte da missa e explicá-la a qualquer leigo ou doutor em teologia, mas nunca ela será completamente entendida e, mais que isso, vivenciada, se não estivermos em profundo estado de conversão. A medida que entendemos, mas não cremos piamente no que ali acontece, para nós nada ocorre que não um evento social ou religioso que pode ser visto em qualquer lugar a qualquer tempo, portanto, “depois posso assistir à missa, vou ficar conversando aqui fora agora”.

Entender o milagre que acontece em cada Santa Missa é saber que nada pode ser mais importante, nada pode sobrepor esse momento ímpar. Acompanhar a Santa Missa dignamente e convertido é acompanhar um milagre pessoalmente com hora marcada. Qual de nós nunca teve pelo menos um breve lapso de vontade de ver um milagre acontecer à frente de nossos olhos? Qual de nós nunca pensou que poderia ter estado no dia de pentecostes, vendo e ouvindo os apóstolos falarem em sua própria língua e todos ouvirem em suas línguas, uma Babel ao contrário? Ou quem nunca pensou que poderia ter estado naquela manhã de outubro de 1917 em Fátima para ver o sol dançar no céu? Sem dúvida todos já tivemos essa vontade, entretanto, simplesmente abandonamos a oportunidade de ver um milagre com hora marcada que acontece todos os dias diversas vezes e que é o motivo de todos esses outros milagres: a consagração e transubstanciação.

A conversão transforma nossa vivência da Santa Missa em algo de suprema importância e magistral significância. Cada gesto, cada palavra, cada inclinar de cabeça ou dobrar de joelhos, passa a ser não uma obrigação ou imitação, mas um verdadeiro ato de adoração, fé e conversão.

Sacrosanctum Concilium. Parte nove, A promessa divina realizada na Santa Missa.

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Sacrosanctum Concilium. Parte dois.

Sacrosanctum Concilium. Parte três. Um guarda fiel da tradição.

Sacrosanctum Concilium. Parte quatro. A plenitude do culto divino.

Sacrosanctum Concilium. Parte Cinco. A presença de Cristo na Santa Missa.

Sacrosanctum Concilium, Parte Seis. Santa Missa: culto agradável a Deus e o caráter esponsal de Cristo com Sua Igreja.

Sacrosanctum Concilium. Parte Sete. Culto público e integral da Igreja e exercício da função sacerdotal de Cristo.

Sacrosanctum Concilium. Parte Oito. A Liturgia terrena, antecipação da Liturgia celeste.

Sacrosanctum Concilium. Parte Nove. A promessa divina realizada na Santa Missa.

Em continuidade ao número 8 do documento intitulado Sacrosanctum Conciliumtemos que, além de entender que a Liturgia da qual participamos aqui é uma antecipação da liturgia celeste; que essa mesma liturgia é lugar de onde nos dirigimos à Deus, conforme por várias vezes já foi mencionado e que o documento nada mais faz do que confirmar o que estamos tentando dizer:

8. Pela Liturgia da terra participamos, saboreando-a já, na Liturgia celeste celebrada na cidade santa de Jerusalém, para a qual, como peregrinos nos dirigimos e onde Cristo está sentado à direita de Deus (…)

A Santa Missa se mostra um caminho que deve ser trilhado por todos nós, entendendo que Cristo é o Caminho (João 14, 6a) como Ele mesmo já nos disse. Na Santa Missa temos o sacrifício de Cristo, escândalo para um sem número de pessoas, cristãs ou não, que nos leva à salvação, afinal, Cristo morreu para nos salvar e abriu o caminho para que todos nós pudéssemos chegar ao Pai, contudo é preciso querer, é preciso buscar, é preciso trilhar esse caminho.

(…) por meio dela cantamos ao Senhor um hino de glória com toda a milícia do exército celestial, esperamos ter parte e comunhão com os Santos cuja memória veneramos, e aguardamos o Salvador, Nosso Senhor Jesus Cristo, até Ele aparecer como nossa vida e nós aparecermos com Ele na glória (23).

Os anjos não à toa participam da Santa Missa. Ela é o apogeu da adoração divina e toda criatura deve fazer essa adoração (Filipenses 2, 9-10). Obviamente que o grau de entendimento dos anjos é muito maior que o grau de entendimento do mais entendido dos seres humanos, contudo só podemos pagar por aquilo que sabemos e entendemos. Como diriam alguns: a ignorância salva mais do que qualquer outra coisa nesse mundo (Atos dos Apóstolos 17, 30).

Algumas passagens bíblicas são cristalinas para o entendimento da Santa Missa como ela é e como foi sendo inserida na humanidade desde o princípio.

Desde o início Deus faz uma aliança com Abraão, então Abrão, o que pode ser lido em Gênese 15, 5-19. A passagem parece estranha e com costumes estranhos aos nossos, porém, ao ser entendida como um pacto, podemos chegar a algumas conclusões.

Deus diz a Abrão que lhe dará uma infinita descendência:

E, conduzindo-o fora, disse-lhe: “Levanta os olhos para os céus e conta as estrelas, se és capaz… Pois bem, ajuntou ele, assim será a tua descendência.” (Gênesis 15,5)

Essa era uma promessa divina e certamente seria cumprida, contudo Abrão, mesmo confiando deixa transparecer uma ponta de dúvida ao perguntar a Deus:

“O Senhor Javé, como poderei saber se a hei de possuir?” (Gênesis 15, 8)

Deus, em Sua infinita misericórdia não leva a pergunta com maus olhos e entende a dúvida de Abrão, afinal era uma promessa sem precedentes e de uma grandeza sem fim. É preciso entender que a grandeza dessa promessa não estava somente na quantidade de descendentes, mas na possibilidade de ter esses descendentes. Nossa sociedade atualmente parece inverter os papéis e entender que uma grande prole e uma larga descendência é uma praga, uma espécie de maldição. As pessoas não mais querem filhos e preferem cachorros e gatos, contudo Abrão e toda a sociedade em que ele estava inserido não entendia assim, pelo contrário, tinha nessa grande prole e grande descendência o entendimento de que é uma bênção de Deus, como na verdade é.

Pois bem, Abrão considerou essa bênção grande demais e por isso faz a pergunta para Deus querendo saber como poderá saber se há mesmo de possuir tudo aquilo.

Deus responde com uma ordem estranha para nossos costumes:

“Toma uma novilha de três anos, respondeu-lhe o Senhor, uma cabra de três anos, um cordeiro de três anos, uma rola e um pombinho.” (Gênesis 15, 9)

A ordem de Deus para Abrão é um tanto quanto estranha, mas muito óbvia para Abrão que não titubeia e já parte em busca desses animais.

Como podemos perceber, Abrão já sabia o porque de Deus pedir esses animais e já prepara tudo sem mesmo que Deus determine algo mais, vejamos:

Abrão tomou todos esses animais, e dividiu-os pelo meio, colocando suas metades uma defronte da outra; mas não cortou as aves. (Gênesis 15, 10)

Deus não manda a Abrão que ele divida os animais ao meio, mas Abrão já faz isso porque já compreendeu o que Deus pretende.

Era costume da época que, quando selado um pacto, comercial normalmente, ou uma promessa qualquer feita entre duas pessoas, se pegasse animais e os partisse ao meio. Os dois pactuantes passavam entre os animais prometendo que se não cumprirem a promessa “que aconteça comigo o que aconteceu com esse animal”, ou seja, que morra da forma mais horrível possível. Tudo porque não cumprir o pacto.

Deus entende esse costume e Abrão também, por isso esse ritual já é prontamente organizado por Abrão.

Entretanto, a sequência dos fatos não acontece exatamente como Abrão esperava, nem como era o costume. Após uma clara profecia sobre o que aconteceria ao povo de Israel no Egito, inclusive o êxodo, a Bíblia nos relata o seguinte:

Quando o sol se pôs, formou-se uma densa escuridão, e eis que um braseiro fumegante e uma tocha ardente passaram pelo meio das carnes divididas. (Gênesis 15, 17)

Como dissemos, no meio dos animais divididos deveriam passar aqueles que fazem o pacto, ou seja, no caso em questão deveriam passar Deus e Abrão. Deus se manifesta por várias vezes como fogo, como bem sabemos. Existe o episódio da sarça ardente (Êxodo 3, 1-4), também pela invocação de Elias para provar que Deus era único e não existia nenhum Deus Baal (1Reis 18, 24ss) e outras tantas passagens.

Nesse caso, o fogo, que era Deus, passou sozinho por entre os animais partidos. O que isso poderia significar? Ora o significado é por demais óbvio: Deus assume toda a responsabilidade sozinho. É claro que Deus não descumpriria Sua palavra, contudo o homem, corrompido pelo pecado original e tendente sempre ao pecado, certamente descumpriria. Deus assume sozinho a responsabilidade e seria partido ao meio, ou seja, morto da pior forma, caso houvesse algum descumprimento de qualquer das partes.

A morte de Cristo nada mais foi do que o cumprimento dessa promessa e de tantas outras. Nessa promessa feita com Abrão, Deus se entrega à morte mais horrível não por Seu próprio descumprimento do que foi pactuado, mas pelo descumprimento da humanidade, isto é, morre por nós e no nosso lugar.

A morte de Cristo vem sendo confirmada na história do povo de Israel desde muitos anos antes da vinda do próprio Cristo e, antes mesmo dessa morte Cristo nos ensina muitas coisas entre elas a Santa Missa que deve ser celebrada apenas por aqueles que foram escolhidos e chamados pelo nome, apenas pelos Apóstolos e aqueles que o sucederem. Trata-se de um mandato divino, algo a ser discutido em outro texto.

É o cumprimento dessa promessa divina o que celebramos na Santa Missa e é nessa esteira que o altar se torna Calvário, celebrando a mesma morte de um Deus atemporal em cada Santa Missa diariamente celebrada em milhares de lugares pelo mundo.

Sacrosanctum Concilium. Parte Oito. A Liturgia terrena, antecipação da Liturgia celeste.

Outros artigos sobre o CVII:

50 anos é tempo suficiente?

O porque dos nomes dos documentos.

O Concílio Vaticano II e a ruptura.

Sacrosanctum Concilium. Parte um.

Sacrosanctum Concilium. Parte dois.

Sacrosanctum Concilium. Parte três. Um guarda fiel da tradição.

Sacrosanctum Concilium. Parte quatro. A plenitude do culto divino.

Sacrosanctum Concilium. Parte Cinco. A presença de Cristo na Santa Missa.

Sacrosanctum Concilium, Parte Seis. Santa Missa: culto agradável a Deus e o caráter esponsal de Cristo com Sua Igreja.

Sacrosanctum Concilium. Parte Sete. Culto público e integral da Igreja e exercício da função sacerdotal de Cristo.

Sacrosanctum Concilium. Parte Oito. A Liturgia terrena, antecipação da Liturgia celeste.

Um título perfeito foi o encontrado pelos padres conciliares ao dar cabeçalho ao número 8 do documento Sacrosanctum Concilium de “A Liturgia terrena, antecipação da Liturgia celeste”.

Poucos católicos sabem o que é realmente a Santa Missa, quanto aos demais, sejam protestantes, não cristãos ou até mesmo os que tentam admitir que não creem em nada, apesar de terem em suas teorias um pressuposto de infalibilidade dogmática incontestável, quanto a esses todos, obviamente, que não têm a mínima noção do que seja uma celebração litúrgica, uma vez que sequer conhecem, em sua maioria, a palavra liturgia.

Pois bem, de qualquer forma o católico, ou o que se diz católico, normalmente não tem nem um vislumbre do que vem a ser liturgia, muito menos de que a Santa Missa que é celebrada em diversas igrejas e que pode ser acompanhada por qualquer um de nós, é uma antecipação do que acontecerá após a  nossa morte, caso esse seja o nosso destino após essa vida, claro.

O número 8 do documento assim é redigido:

8. Pela Liturgia da terra participamos, saboreando-a já, na Liturgia celeste celebrada na cidade santa de Jerusalém, para a qual, como peregrinos nos dirigimos e onde Cristo está sentado à direita de Deus, ministro do santuário e do verdadeiro tabernáculo (22); por meio dela cantamos ao Senhor um hino de glória com toda a milícia do exército celestial, esperamos ter parte e comunhão com os Santos cuja memória veneramos, e aguardamos o Salvador, Nosso Senhor Jesus Cristo, até Ele aparecer como nossa vida e nós aparecermos com Ele na glória (23).

O parágrafo é relativamente longo visualmente, mas extremamente estreito para a quantidade de detalhes, conceitos e afirmações importantes que faz. Por esse motivo vamos ter que destrincha-lo deixando para outra oportunidade o estudo de suas demais partes. Vejamos seu início:

“Pela Liturgia da terra participamos, saboreando-a já, na Liturgia celeste celebrada na cidade santa de Jerusalém (…)”

Esse pequeno excerto foi feito para que entendamos uma coisa básica: a Santa Missa não é reunião de pessoas; não é encontro social; não é culto para agradar sentidos humanos manchados pelo pecado original. A Santa Missa é culto agradável a Deus e só a Ele dirigido. A Santa Missa é a antecipação do paraíso.

Para entendermos isso é bom sabermos que existem três partes ou estados da Igreja, todas católicas, claro: Igreja militante, Igreja padecente e Igreja triunfante.

A Igreja militante é a que fazemos parte e que milita aqui nesse mundo buscando a purificação e a aproximação da glória final junto a Deus. A Igreja padecente é aquela que está no purgatório e padece, sofre e purga seus pecados para também, um dia, estar na glória de Deus. Por fim, a Igreja triunfante que é aquele cujos membros já foram salvos e estão junto a Deus no paraíso formando uma grande torcida que silenciosamente intercede por todos nós conforme os preceitos divinos.

São Pio X em seu Catecismo Maior certamente é mais conciso e feliz ao explicar:

146. Onde se encontram os membros da Igreja?

Os membros da Igreja encontram-se parte no Céu, formando a Igreja triunfante; parte no Purgatório, formando a Igreja padecente e parte na terra, formando a Igreja militante.

Por favor, ninguém me acuse de afirmar que a Igreja é divida em três partes independentes, não disse isso em momento algum. Disse que a Igreja é dividida em três partes que melhor podem ser compreendidas como três estados. Essas três partes ou estados compõem, por óbvio uma só Igreja cuja cabeça é única: Cristo. São Pio X também não me deixa solitário nessa explicação e certamente explica com mais clareza em seu Catecismo Maior:

147. Estas diversas partes da Igreja constituem uma só Igreja?

Sim, estas diversas partes da Igreja constituem uma só Igreja e um só corpo, porque têm a mesma cabeça que é Jesus Cristo; o mesmo espírito que as anima e as une e o mesmo fim, que é a felicidade eterna, que uns já estão gozando e que outros esperam.

Justamente por ser militante a Igreja aqui na Terra é também gloriosa, não no mesmo sentido da Igreja que já está no paraíso, a triunfante, mas no sentido de que milita e também tem sua glória. Lembre-se que falamos da Igreja que é gloriosa mesmo aqui sendo militante e não dos seus membros que não são gloriosos, afinal a glória maior ainda está por vir mesmo para a Igreja dos Santos, ou seja, mesmo para a Igreja triunfante, uma vez que ela só atingirá a plenitude da glória quando vier o juízo final e todos aqueles que foram salvos e que Deus chama pelo nome (Is 49,1) farão parte de Seu corpo. Nesse dia a Igreja militante se “unirá” definitivamente à Igreja triunfante e padecente. É pensando assim que temos a Santa Missa como ato de total entrega de Cristo por aquela parcela da humanidade que O aceita e O quer. A Santa Missa passa a ser a antecipação da liturgia celeste quando nos eleva a Deus de tal forma que os anjos aclamam conosco, a uma só voz, o canto do Santo.

É nesse estrito sentido que nos unimos à Igreja triunfante todas as vezes que celebramos a Santa Missa já que, assim, tocamos o céu nesse milagre diário que nos passa desapercebido que é a Santa Missa antecipando o que no futuro esperamos conseguir encontrar nos céus.

Sacrosanctum Concilium. Parte Sete. Culto público e integral da Igreja e exercício da função sacerdotal de Cristo.

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Sacrosanctum Concilium. Parte três. Um guarda fiel da tradição.

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Sacrosanctum Concilium. Parte Cinco. A presença de Cristo na Santa Missa.

Sacrosanctum Concilium, Parte Seis. Santa Missa: culto agradável a Deus e o caráter esponsal de Cristo com Sua Igreja.

Sacrosanctum Concilium. Parte Sete. Culto público e integral da Igreja e exercício da função sacerdotal de Cristo.

Sacrosanctum Concilium. Parte Oito. A Liturgia terrena, antecipação da Liturgia celeste.

Sacrosanctum Concilium. Parte Nove. A promessa divina realizada na Santa Missa.

É incrível a riqueza do documento conciliar Sacrosanctum Concillium. Cada frase, cada parágrafo, pode ser desenvolvido em textos de profundíssima reflexão e verdades incontestáveis da fé que só a Igreja pode proclamar.

O número 7 do documento é relativamente grande sendo composto não por um parágrafo, mas por quatro. O terceiro e o quarto merecem reflexão separada justamente por, mesmo dando continuidade ao que foi dito nos dois anteriores, aprofundarem em um tema obscuro para a maioria dos católicos e negada pelo protestantismo. Aqui falaremos exclusivamente do terceiro parágrafo.

Não podemos afirmar com absoluta certeza se a obscuridade vem devido à negação dos protestantes, uma vez que estamos em uma sociedade protestantizada, ou se o protestantismo veio devido a obscuridade já havida entre os católicos. Não vamos discutir isso porque seria o mesmo que discutir quem veio primeiro o ovo ou a galinha. Na verdade não interessa. Qualquer que seja a origem do problema, a questão é que a falta de formação e entendimento da fé que professa nos leva a protestar contra a nossa própria fé. Antes essa fé fosse somente uma fé particular e inerente a cada ser, não, não é. Trata-se da negação e protesto contra a única fé que traz a verdade consigo, não porque pretende ser a dona da verdade e queira dominar o mundo. Essas acusações sempre vem sem um argumento digno. É a única que traz a verdade consigo porque é a única que o próprio Deus fundou e deixou sob o comando de Pedro Apóstolo (Mt. 16, 18 ss) além de deixar a necessidade de sucessão.

Pois bem, voltando aos dois últimos parágrafos número 7 do documento Sacrosanctum Concillium, temos sua redação nos seguintes termos:

“(…) Com razão se considera a Liturgia como o exercício da função sacerdotal de Cristo. Nela, os sinais sensíveis significam e, cada um à sua maneira, realizam a santificação dos homens; nela, o Corpo Místico de Jesus Cristo – cabeça e membros – presta a Deus o culto público integral.”

O parágrafo começa com uma afirmação que pouco se conhece entre os católicos: a missa é o exercício da função sacerdotal de Cristo.

Quando se vê um pastor protestante, qualquer que seja a denominação, presidindo seu culto, ou um rabino ensinando na mesquita, ou um espírita fazendo seus ensinamento ou dando passes em um centro ou terreiro, nenhum deles ousa proclamar-ser representante de Deus ou mais que isso, o próprio Deus.

Que os céus sacudam agora na visão protestante, mas é o que o sacerdote é durante a celebração da missa: o próprio Cristo. Não só ele, mas ele principalmente. Assim, por obviedade que Cristo exerce Sua função sacerdotal, já que Ele mesmo fala na missa, seja nas leituras, seja na consagração e em outros momentos. In persona Christi é o nome que se dá em latim para o fato de o sacerdote falar na missa como que o próprio Deus (Cristo).

Caso não fosse assim, como poderia um mero homem, cheio de pecados, insatisfações, erros e imperfeições fazer o milagre programado de transformar o pão em Cristo? Obviamente que aquelas mãos são consagradas, aquele ser, o sacerdote, não é como nós que não seguimos esse caminho, contudo é Cristo quem consagra através daquele ser, assim como é Cristo que fala através daquele que faz a leitura na missa.

No mesmo parágrafo o documento conciliar continua:

“(…) Nela (na liturgia), os sinais sensíveis significam e, cada um à sua maneira, realizam a santificação dos homens;(…)”

Essa verdade continua e sempre continuará sendo absoluta devido o simples fato de ser culto a Deus estabelecido pelo próprio Deus e manutenido pela Igreja.

O mais importante é sempre entender que a Santa Missa é culto agradável a Deus, embora seja Seu próprio sacrifício o que ocorre. Não um outro sacrifício, mas aquele mesmo ocorrido dois milênios atrás. Esse sacrifício vale mais que qualquer sacrifício que possamos fazer, mesmo os martírios já que “no martírio é o ser humano que dá a vida por Deus e na missa é Deus quem dá a vida pela humanidade” (Santo Tomás de Aquino). Esse sacrifício é, também e por esse motivo, o meio de santificação dos homens. A humanidade se beneficia desse sacrifício para se santificar, através de Deus, sempre assim deve ser, e chegar ao próprio Deus, fazendo parte de Seu projeto salvífico.

Importante perceber que faremos parte desse projeto, dessa felicidade, alegria e justiça plenas. Não veremos ou estaremos presentes, mas faremos parte como membros.

É por isso que o documento completa o parágrafo dizendo:

“(…)nela (na liturgia), o Corpo Místico de Jesus Cristo – cabeça e membros – presta a Deus o culto público integral.”

O Corpo Místico de Cristo justamente é essa Igreja que Ele fundou e deixou aqui na Terra com seus membros distribuídos conforme sua função, necessidade e importância (1Cor 12,4-31).

Outro ponto que passa batido por todos nesse pequeno excerto é o de que a Santa Missa é “culto público integral” prestado a Deus pela Igreja. Ora. Parece óbvio que se diga isso, mas não é.

Inicialmente a grande maioria, a maioria esmagadora das pessoas, católicas ou não, não tem consciência plena de que a Santa Missa é culto a Deus. Ou se tem agem como se não tivessem. Digo isso porque se a Santa Missa é culto a Deus, então a quem devemos agradar nesse culto? Agora me respondam a quem boa parte das pessoas pretende agradar quando tocam músicas dançantes, inventam missas show e fazem teatro nesse momento? Não é a Deus que pretendem agradar, embora tentem mascarar sua errada atitude com esse argumento. O que tentam fazer é agradar o público da Santa Missa. Literalmente “jogam para a torcida”, ou seja, fazem o que for preciso para que aquele espetáculo (a Santa Missa) seja agradável aos seus espectadores (assembleia). Assim deixamos de ter a Santa Missa como culto agradável a Deus para ser culto agradável aos homens.

Outro ponto: a Igreja presta culto a Deus. Esse culto é publico e todos os católicos são chamados, e em certos dias do ano convocados, a participares desse culto. Se é a Igreja que celebra esse culto, e isso é óbvio uma vez que o sacerdote que celebra é, ou deveria ser, sacerdote fidelíssimo à Santa (não pecadora) Igreja, como é possível que sacerdotes e equipes de liturgia queiram mexer, modificar, inventar, criar, diversificar, teatralizar e fazer da missa um verdadeiro carnaval? Isso no mínimo é usurpação. A Santa Missa é culto da Igreja, portanto só ela, a Igreja, poderá mexer no ritual desse culto e mesmo assim não pode mexer em todas as partes uma vez que várias delas fora instituída pelo próprio Cristo.

Por último, temos o ponto de que se trata de culto público e integral. Já entendemos que é culto da Igreja, agora concluímos que é público e integral. O “público” já pode ser entendido no parágrafo acima. Apesar de ser culto da Igreja, é público porque todos os católicos são chamados e/ou convocados para a Santa Missa (Mt 18,20). A palavra “integral” é que deve ser explicada mais a fundo. A missa não é culto que servirá para completar a semana ou para irmos nos encontrar socialmente com os amigos. Muito menos é ocasião de encerramento de grupo de oração ou de encontro. A Santa Missa é um todo, sem partições e o mais importante de tudo o que há. Assim já dizia Santo Agostinho e tantos outros Santos. A Santa Missa não pode ser partida ou repartida, mutilada ou dilatada. A Santa Missa é o que é sem palpites ou intervenções alheias. A Santa Missa é culto integral por que abre e fecha todo um ciclo ritual.

A esperança cristã reside no Amor

adventoCom a Solenidade de Cristo Rei no Domingo passado, concluímos mais um Ano Litúrgico, nos preparando interiormente para este tempo do Advento que a Igreja nos conclama a celebrarmos.

É neste tempo que, com os corações contritos e esperançosos, aguardamos o jubiloso prenúncio do Salvador, que dirige-se ao nosso encontro e oferece-nos a sua graça salvífica e a possibilidade de uma reconciliação do homem com Deus, rompidas pelos primeiros pais. Neste período recobremos com ânimo a virtude teologal da esperança, que nos é dada do alto e que é imprescindível ao cristão. Assim, com este vigor no coração, somos convidados a olharmos e mantermos a mesma expectativa que nos diz o prefácio: “Revestido da nossa fragilidade, Ele veio a primeira vez para realizar Seu eterno plano de amor e abrir-nos o caminho da salvação” (Prefácio do Advento I). É-nos sabido que este plano de amor concretizou-se plenamente em Cristo Jesus e nesta primeira vinda de um estreitamento de laços do homem com Deus.

Mas, podemos nos perguntar: como mantermos a expectativa cristã em uma realidade tão fugaz? Como estar com os olhos fitos em Cristo se o mundo oferece-nos coisas aparentemente mais atraentes? E aqui acaba o homem por criar um verdadeiro dilema existencial e um lapso no relacionamento consigo e com os demais irmãos. Sim, aquele que se fecha à realidade de Cristo não apenas fecha-se aos outros, mas, por conseguinte, a si mesmo. Isto porque o relacionamento com Cristo requer também um bom relacionamento com o irmão. No outro vemos a face de Cristo; no outro vemos também a nós, criados à imagem e semelhança de Deus. Quem perde este sentido fecha-se no seu eu e cai na desesperança, porque já não mais nutre-se da vida, mas da sua morte interior.

Às indagações anteriores, São Paulo nos responde com extrema brandura e ao mesmo tempo com firmeza espiritual: “O Senhor vos conceda que o amor entre vós e para com todos aumente e transborde sempre mais, a exemplo do amor que temos por vós” (1Ts 3,12). É na realidade do amor – a Deus e ao próximo – que o homem reconhece-se como sujeito único e singular, dotado de inteligência e de vontade livre, mas também composto de uma realidade material. Ele tornar-se, não obstante as dificuldades, um ser de relacionamento e de proximidade, firmando-se sempre mais na perspectiva futura do convívio eterno com o Senhor. E entendemos o porquê Deus torna-se a “peça chave” no nosso relacionamento: Dele, Amor puro e gratuito, há de provir todo o amor que existe entre os homens para que eles não hesitem no reconhecimento da unidade e da autentica liberdade que foi-lhes dada na filiação adotiva.

Por isso, mais que uma promessa e que uma exortação, o pedido de Paulo concretiza-se no autêntico testemunho de vida voltado a todos os homens que desejam colocar-se à disposição de um amor real, que não subsiste na incerteza e nas especulações. De fato, somente aquele que tem o amor como plano de fundo pode configurar sua vida ao projeto real de Cristo, que não se baseia sobre outra coisa primeiramente, senão sobre a comunhão. Portanto, o advento definitivo não evoca uma realidade distante, temerosa, pela qual os homens ingressam sob a ótica radical das palavras evangélicas ou escatológicas, mas é uma realidade de esperança que caracteriza-se pela harmonia das coisas e pela infusão de um amor radicado no senso ontológico do homem.

A exortação feita pelo Apóstolo São Paulo na segunda leitura é fundamentada já em um princípio eclesiológico. De fato, como Paulo, a Santa Igreja não se cansa de exortar a todos os seus filhos para que mantenham-se atentos aos eminentes sinais dos tempos, que se darão quando Nosso Senhor no-los fizer conhecerem. Por isso, neste imperioso dever de orientar os homens, nos seus vinte e um séculos, a Igreja nunca se ab-rogou da sua missão, mesmo que, em alguns momentos, tenha se sentido fragilizada pelo peso que alguns de seus filhos a imputaram. “Meus irmãos, eis o que vos pedimos e exortamos no Senhor Jesus: Aprendestes de nós como deveis viver para agradar a Deus, e já estais vivendo assim. Fazei progressos ainda maiores!” (1Ts 4,1).

À comunidade de Tessalônica se dirigiu esta exortação, mas não menos atual em nossos dias. O povo tessalônico vivia em grande fadiga da caridade, numa fé operosa e isso os fazia manterem-se numa constante expectativa pelo seu Senhor. Neste sentido, o advento torna-se ainda mais profícuo se vivido intensamente, progredindo no bem e na caridade que nos são constantemente exortados. Tornou-se necessário, mediante a hodierna sociedade, progredirmos sempre no Senhor, intensificarmos nossa espiritualidade, reforçar as bases da nossa fé. O primeiro passo para este reforço é a escuta atenta da Palavra, uma vez que “a fé vem pelo ouvir” (Rm 10,17); depois temos o testemunho autêntico daquilo que ouvimos e nisto outros verão, pelas obras, de quem somos testemunhas.

Na óptica deste Tempo do Advento, tenhamos sempre conosco a certeza viva e uma esperança inabalável; a esperança do ser cristão, que reside em Cristo Jesus. Desta forma seremos animados a enfrentarmos os desafios dos tempos pós-modernos e a fazer com que continue viva no mundo a chama da luz de Cristo, para que todos conhecendo-O possam amá-lo e amando-O possam esperá-lo. A Maria, que por nove meses gerou o menino-Deus em seu ventre, queremos elevar nossos agradecimentos e preces, para que Ela nos ensine a gerarmos o Cristo em nós e portá-Lo aos demais irmãos, com caridade e verdade, mostrando que o verdadeiro rosto de Cristo pode ser encontrado no interior de cada homem que por Ele se deixa tocar e transformar.

E continuemos a escutar e seguir atentamente a exortação de Cristo, que diz: “Ficai atentos e orai a todo momento, a fim de terdes força para escapar de tudo o que deve acontecer e para ficardes de pé diante do Filho do Homem” (Lc 21,36). E com toda a Igreja possamos exclamar: Maranathá! Vem, Senhor Jesus!

O Cristo sem Cruz, o Cristo voador, o Cristo sem Cruz nas Igrejas “nova moda”.

Pe. Juvan Celestino da Silva

Devemos de antemão nos lembrar que o Mistério de Cristo é inseparável do mistério da Cruz. Após Pedro responder que Jesus é o Messias (Mc 8,29); e para este título não se limitar a um triunfalismo imediato e próprio, Jesus acrescenta:

“O Filho do homem deve sofrer muito, ser rejeitado pelos anciãos, pelos chefes dos sacerdotes e pelos escribas, ser morte e depois de três dias ressuscitar” (Mc 8,320)

Um mundo sem Cruz sem o sinal da Cruz Salvadora de Jesus cairá facilmente numa idéia distorcida do cristianismo. Tornar –se – á em um cristianismo hedonista, e o Cristo tornar-se-á em um Cristo do prazer, um Cristo fashion.

Quanto a este perigo o Apóstolo Paulo dá uma dura nos cristãos da comunidade de gálatas:

“Ó Gálatas insensatos, quem vos fascinou, a vós ante olhos foi desenhada a imagem de Jesus Cristo crucificado?… sois tão insensatos que, tendo começado pelo espírito, agora acabais na carne?” (Gl 3,1-3)

Substituindo em nossas Igrejas a imagem do Crucificado por um Cristo triunfante, glorioso e sem a Cruz, corremos o risco de cairmos em uma heresia disfarçada que se nega a humanidade do Verbo Encarnado. Uma Igreja sem Cruz é uma Igreja herética, uma Igreja “protestantizada”. Devemos reconhecer com pesar que vivemos uma verdadeira crise na teologia da Cruz.

Já imaginaram celebrarmos uma Semana Santa sem Cruz? O que faremos na sexta-feira santa? O que apresentaremos ao povo do Cordeiro Imolado?

Pois na sexta-feira santa temos a adoração da Cruz, sim, por mais que nos soe estranho a Igreja diz: “A Adoração da santa Cruz de Nosso Senhor Jesus Cristo” (Cf.: Missal Romano)

Portanto, a Cruz de Nosso Senhor Jesus Cristo “é a única Cruz digna de adoração…” 

Na verdade esta imagem, até deve ser apresentada no Domingo da Ressurreição, mas não serve para está no lugar do Cordeiro Imolado. São duas as experiência pelas quais Jesus passa: morte de Cruz e a ressurreição. Uma não existe sem a outra. 

“Cristo voador” é um Cristo suspenso no ar, sem cruz sem razão de ser. Na verdade por mais que queiram representar o Cristo ressuscitado, a imagem foge totalmente da verdadeira experiência do cristão. Pois sem a Cruz na há salvação e como diz a carta aos hebreus:

“Segundo a Lei, quase todas as coisas se purificam com sangue; e sem efusão de sangue não há remissão” (Hb 9,22) 

“Cristo voador” que estão pendurando no presbitério em algumas Igrejas é um Cristo lavado e sem sangue, um Cristo enxuto, uma imagem sem graça, sem gosto, ou melhor, de mau gosto, porque está no lugar errado e na hora errada. Pois sabemos que a Igreja militante, é a Igreja da Cruz, do combate… da luta. A Igreja gloriosa nos espera para além deste mundo.

Além do mais, a Cruz não é o lugar do Cristo glorioso, a experiência gloriosa da ressurreição se deu no sepulcro, e o Cristo glorioso é o Cristo da ascensão, a Cruz é o lugar do martírio, e por sinal um lugar desconfortante, é um “caminho contra a corrente” do mundo.

Embora saibamos pela fé, que a ressurreição aconteceu, ninguém a testemunhou, só o santo sudário guardou o momento exato da ressurreição do Senhor, a experiência cristã é a da aparição do ressuscitado, que fora crucificado. Então pintar um Cristo voador e querer compará-lo ao Cristo ressuscitado é no mínino fantasioso, para não dizer folclórico. Embora alguns querem associá-lo à ascensão.

Este Cristo voador que estão colocando em algumas Igrejas é algo ridículo, um passo a mais para se eliminar o símbolo da Cruz das Nossas Igrejas e das nossas vidas, pois das escolas e ambiente públicos aos poucos já estão tirando. O modismo do Cristo voador é um perigo para a fé.

A Igreja não deve esconder o crucificado, sem incorrer na acusação de sentir vergonha da Cruz do Senhor, e quem tem vergonha da Cruz de Cristo se torna seu inimigo.

“Pois há muitos dos quais muitas vezes vos disse e agora repito, chorando, que são inimigos da cruz de Cristo” (Fl 3,18) 

São Paulo afirma que sem ressurreição “a nossa fé seria vã”, porém, sem a Cruz ela nem existiria. Pois sem a Cruz não haveria nem salvação nem a aurora da ressurreição. O anúncio de uma ressurreição que não passasse pela Cruz seria vazio. O túmulo está vazio, porque antes alguém esteve lá dentro. Sem a Cruz o Senhor não teria vencido a morte, o inferno, o mundo, o pecado e o medo. Portanto, “o Gólgota é a passagem obrigatória rumo à Ressurreição”.


Quaresma: Momento favorável para a conversão

Mais uma vez somos convidados pela Igreja ao tempo quaresmal. Neste período faz-se ecoar em nosso coração o clamor do Senhor: “Voltai para mim com todo o vosso coração, com jejuns, lágrimas e gemidos; rasgai o coração, e não as vestes; e voltai para o Senhor, vosso Deus; ele é benigno e compassivo, paciente e cheio de misericórdia, inclinado a perdoar o castigo” (Joel 2, 12-13). Deter-me-ei primeiramente nesta profecia para melhor adentrarmos ao mistério celebrado.

Como, neste dia de Cinzas e início de Quaresma, poderemos nos esvaziar de qualquer sentimento de engrandecimento e prepotência e rasgarmos o coração? Como poderemos mostrar a outros que o que realmente Deus olha é o coração e não o exterior? Primeiramente tenhamos em mente que é necessário testemunharmos. É preciso que o cristão seja uma testemunha veemente do evangelho. Nada mais nos pede o Senhor, senão que rasguemos os corações. E por que nos pede que rasguemos o coração e não as vestes? Por que as vestes se rasgam mas não se vê o coração, e o coração rasgado, ainda que não se rasguem as vestes, pode ser visto. A ascese neste período constitui algo fundamental na experiência da humildade cristã e nos faz reconhecer que nada somos, mas Deus é tudo e Ele tudo pode.

É triste vermos, pois, que a nossa sociedade não mais quer voltar-se à Deus, senão aos prazeres e efemeridades que este mundo oferece. O mundo necessita de Deus! Deus está próximo do mundo, mas o mundo não quer estar próximo dEle. Ainda clamamos, em comunhão com toda a Igreja: O Senhor quer perdoar-vos! Ele é um Deus amoroso! Achegai-vos a Ele! É sabido que ninguém pode resistir sem Deus. Qualquer sociedade sem Deus jamais, por si só, ficará de pé. É Deus quem sustenta todos os homens, e os fortalece em sua caminhada. Quando parecemos estar sós, quando parecemos desesperançados, Deus nos estende a mão, manifesta sua misericórdia e nos convida a levantar novamente. Não estamos sós nestas provações, estamos com Deus! Não rasguemos as vestes pois elas não demonstram o que somos, rasguemos o coração, para que vendo o nosso amor outros também o façam.

Neste sentido, as Cinzas, impostas hoje em nossa cabeça pelos sacerdotes, demonstram o que somos: pó, e é ao pó que retornaremos. Nada somos! Somos criados à imagem e semelhança de Deus. Não fisicamente nos assemelhamos a Ele, mas o nosso espírito deve ser semelhante. Que semelhança a criatura pode ter com o que Lhe fez? O amor! O amor nos assemelha a Deus. Um amor que deve ser incondicional. E ponho-me muitas vezes a perguntar para que apegar-se tanto aos bens materiais? Para que arrogância e prepotência? Para que se fechar à sempre nova mensagem do Evangelho? Nossa vida assemelha-se a um sopro. Que seja sopro do Espírito Santo, e não das frivolidades que tentam impor-se em nossa cultura.

Memento homo, quia pulvis es, et in pulverem reverteri – Lembra-te que és pó e ao pós hás de voltar”. Claro está que com esta frase, dita pelo sacerdote na imposição das cinzas sobre nossas cabeças, resume-se todo o sentido da nossa espiritualidade quaresmal. O brado evangélico da salvação associa-se a estas palavras da Escritura. Não é a vivência da vida de forma desenfreada que será para nós garantia de uma felicidade. “Recorda-te que é pó”. Mas o que precisamente simboliza este pó? Em primeiro lugar devemos recordar que não significa um período que se esvai da nossa vida reduzido a mera finitude deste mundo, e, portanto, uma parte que pode ser apagado, mas vai além disso: O pó recorda-nos que nada somos, que nossa vida não é eterna; que não persiste a matéria, mas a nossa alma que transcende a Deus. O verdadeiro sinônimo de felicidade não pode ser encontrado se não estiver totalmente radicado na perspectiva evangélica da conversão.

Na segunda leitura São Paulo convida-nos a reconciliarmo-nos com Deus. Eis o momento propício para que o mundo se volte a Ele. Voltemo-nos hoje! Agora! Deixai de lado a mediocridade que levais em vossas vidas. “’No momento favorável, eu te ouvi e, no dia da salvação, eu te socorri’. É agora o momento favorável, é agora o dia da salvação” (2 Cor 6,2). Este clamor de Paulo, perpassados dois mil anos, convida-nos a deixar de lado este velho homem. Deixai de lado a vida laxa que levais! Cristo está a bater na porta e vós não escutais. Este momento favorável não virá, mas já está entre nós. É Deus quem nos socorre. A dualidade da vida de um homem faz com que ele perca todas as suas esperanças, sente-se só, isolado de toda uma realidade que parece estar além dele. Mas quem possui Deus, ainda que a vida oscile e manifeste-se em várias direções, a perseverança e o amor não deixaram que percamos nossa fé.

Só Cristo pode transformar qualquer situação de pecado em novidade de graça. Eis por que assume um forte impacto espiritual a exortação que Paulo dirige aos cristãos de Corinto: “Em nome de Cristo suplicamos-vos: reconciliai-vos com Deus”; e ainda: “Este é o tempo favorável, é este o dia da salvação” (5, 20; 6, 2).

Hoje vos convido, irmãos, a mudarem de vida. Despi-vos do que era velho, o Senhor nos traz o que é novo. A cada Quaresma, preparando-nos para a Semana Santa, o Senhor faz-nos recordar a sua constante fidelidade e a sua maior prova de amor: a doação de seu Filho único. E creiam meus irmãos: nada é maior e nenhuma prova de amor maior podemos esperar do que esta grande e humilde atitude de Deus.

O mundo deixou-se contaminar pelo veneno de Satanás! Ele está procurando afastar-nos de Deus para nos atrair aos seus desejos, e admitamos que ele está a conseguir. E aqui o nosso Cristianismo deve fazer-se presente. Devemos fazer com que o próximo veja em nós o rosto de Cristo, sempre presente e acolhedor. Nossa Igreja não pode fundamentar-se em leis se em primeiro lugar a caridade não se fizer presente, pois do contrário será endurecida. A Igreja deve ter leis, deve prezar pelas alfaias e pela liturgia, mas se não prezar pela caridade antes de qualquer coisa, perderá toda a sua fundamentação e tudo tornar-se-á vazio.

Este ano o Santo Padre Bento XVI nos oferece como meditação quaresmal com a mensagem do autor sagrado: «Prestemos atenção uns aos outros, para nos estimularmos ao amor e às boas obras» (Heb 10, 24). Estas exortantes palavras tomam um grande sentido sobretudo ao contemplarmos a nossa sociedade secularizada, que já não mais coloca-se no exercício da caridade cristã. Peçamos ao Senhor que renove os nossos corações; que estejamos atentos para ajudar-nos uns aos outros na caminhada. Que sejamos capazes de despojar-nos dos nossos desejos e de todas as coisas que prendem a nossa atenção na superficialidade.

Que nesta Quaresma clamemos ao Senhor por um coração renovado, capaz de estar sempre disposto a perdoar e capaz de configurar-se a Cristo por meio disto. Que Maria Santíssima interceda sempre por nós!

Uma Santa Quaresma a todos!